Não têm nome – são corpos que o frio
esfaqueia ao virar das esquinas, sombras
que tiritam dobradas no cobertor da noite.
Se porventura chegaram a ver a luz, o clarão
cegou-os para sempre e perderam-se como
os anos que somam todos os anos sem saber
quantos são. Não os chamamos – os seus
rostos vincados pelos dias são espelhos que
desafiam o labor do tempo; têm os olhos
perdidos nas olheiras, e o olhar perdido, e as
mãos perdidas nos bolsos em que ficaram as
migalhas de outras vidas que alguém lhes
estendeu como a acenar-lhes com a promessa
de um inverno mais quente. Não sabemos
quem são – se porventura chegaram a ter
um nome, também já o perderam; nada lhes
resta senão o medo com que os olhamos de
longe e o próprio medo – e, se acendem
fósforos exaustos contra a escuridão, é por
saberem que mesmo as estrelas são da noite.
Deitam-se sós nas camas que inventaram,
esquecidos de que choraram por dias inteiros
todos os corpos bonitos que perderam. Afagam
os ossos cansados antes do sono e, por não
terem já quem lhes peça um abraço, passam
a noite a fazer companhia à solidão e acordam
com um braço perdido no outro braço
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"Não têm nome..."
Maria do Rosário Pedreira