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Maria do Rosário Pedreira
Mote:
Cada vez há mais crianças a chegar à Europa sozinhas.
Mãe, oxalá eu nunca tivesse largado a tua mão:
com o menino ao colo, fez-se a estrada maior do
que o meu desespero, amarrotou-se de velho meu
coração tão claro. Eu tinha catorze anos antes
do estrondo, catorze anos e meio antes do teu
grito, quinze anos cumpridos quando afastei o
véu dos teus cabelos: se me dizias sempre que não
fosse para longe, porque pediam o contrário os
teus olhos parados? Ainda por cima, mãe, chegar
ao campo foi como bater a uma porta cansada –
mil tendas que eram velas remendadas, barcos para
ficar de novo pelo caminho. Trouxeram-nos mantas
cheias de perguntas; tentaram-me com doces
para me pôr no lugar; mudaram ao meu irmão
a fralda com as mãos frias. Mãe, eu disse-lhes que
o menino era meu; e agora, quando ele procura os
teus seios no meu corpo sem formas, cubro com
o teu véu os meus cabelos e canto-lhe baixinho
canções de açúcar. Não sei que idade tenho, mãe,
mas oxalá eu nunca tivesse largado a tua mão.
Mote:
Família de menino sírio que morreu na costa turca fugia para o Canadá; mãe e irmão mais velho também não sobreviveram ao naufrágio.
O meu pai chamou-me e pediu-me que escolhesse
um brinquedo – só um – de que gostasse muito; e
que separasse outro brinquedo para o Aylan, que
ainda não sabia escolher – mas só um, e tinha de
ser pequeno. O meu pai explicou-me que nessa
noite ia fazer de tudo quase nada numa trouxa
leve; porque assim, quando o Aylan e eu caíssemos
de sono, ele e a minha mãe podiam levar-nos ao
colo sem ficarem para trás. Havia lágrimas nos olhos
do meu pai quando contou que, na manhã seguinte,
teríamos de deixar a nossa terra; mas logo se
recompôs, dizendo que Kobanî também já não era
bem a nossa terra, que a nossa casa era a ruína da
nossa casa, que toda a Síria não passava de um tímpano exausto de tanto estrondo e dois olhos cansados,
mas tão cansados, de chamas e de sangue. O meu pai