José Pacheco
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« A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento »
Uma das aprendizagens mais difíceis é , sem dúvida , a do que lembrar e a do que esquecer . Conheço quem sistematicamente abandone o bem que alguém lhe fez ou as memórias de uma relação intensa , para os deixar submergir pelo que essa pessoa lhe deve , pelo que lhe falhou , ou ofendeu ou magoou . Não que não haja ofensas inesquecíveis e imperdoáveis . Mas porque , diria eu , no balanço do que somos com os outros , nos enquistamos frequentemente no que nos irrita , e abrimos mão , quase sem nos apercebermos , nem medir as consequências , do que foi importante .
Há um esquecimento e uma lembrança , portanto , que implicam uma escolha moral . Embora me possam responder que não existe escolha : para todos os efeitos , somos a nossa sensibilidade e o nosso temperamento , e se repisamos as afrontas e deixamos que elas se imponham e nos afastem de amigos ou familiares , é porque " somos assim " e esse padrão reactivo se tornou mais forte do que nós .
Na verdade , não creio nisso . Ao invés de uma
Milan Kundera espécie de destino que estabeleceu desde sempre o que iremos fazer , como nas Antigas tragédias gregas - esquecer mais o mal do que o bem que recebemos dos outros , ou , pelo contrário , esquecer mais o bem do que o mal , quer dizer , decidir o que deve ter mais peso na relação , é uma atitude e uma maneira de olhar . Decide-se . Aprende-se . À minha custa , sei-o , hoje .
Começando por pensar acerca desse trabalho , que a vida exige , sobre o lembrar e o esquecer , marcado pela história de tantas relações minhas que , por causa disso , acabaram destruídas ( irremediavelmente ?), sou levado , falando ainda com conhecimento de casos próximos , a confrontar-me com outro tipo de esquecimento , o mais doloroso de todos . O da perda irreparável da memória . O das doenças que roubam a si mesma a pessoa . O do apagamento das raízes e , portanto , da identidade . O do choque , com certeza para o próprio , inicialmente , mas , cada vez mais , sobretudo para os que o rodeiam assistindo à tragédia de saberem que , a prazo , desaparecerão da possibilidade de reconhecimento do pai , da mãe , da mulher ou do marido , do amigo . Contra esta degradação não temos armas .
Regressemos , porém , ao optimismo . E fixemo-nos nele , lembrando aquilo que podemos salvar do esquecimento , ou o que resiste como uma cura