Ewe O conto das Folhas Sagradas Livro Ewe o conto das folhas | Page 41
Emanoel Tavares
“Que é ser jovem nas práticas de tradição e
viver no ambiente urbano?”
Apesar de as expressões “mais velhos” e “mais
novos” possuírem um outro significado dentro da tradição,
para responder essa pergunta me foi pedido usar o parâ-
metro da certidão de nascimento, dos cartórios, dos
prontuários médicos. Segundo o Estatuto da Juventude,
jovem é aquele que possui entre 15 e 29 anos. Estamos
combinados então? Vejamos… Por onde eu começo?
“Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem
não é sério”
“Vamo” combinar que, se você é negro, candomble-
cista, pobre, LGBT ou de esquerda a TV nem sequer fala
de você. Representatividade é algo que os Marinhos e
Macedos não estão muito preocupados.
Uma coisa que eu reparei, desde que me tornei
Candomblecista é de como sou invisível nessa cidade,
como minha cultura não é estudada nas escolas, como
minha religião é estereotipada e excluída dos ambientes
de debate.
Estudei na escola a formação do estado de Por-
tugal, os Deuses gregos, os poetas parnasianos, os ban-
deirantes. Uma professora branca disse, certa vez, que
uma tal Lei Áurea libertou um povo negro escravizado que
foi trazido para o Brasil (ela disse “libertou os escra-
vos”, mas não precisamos passar esse erro a diante, não
é mesmo?).
“A falsa abolição que não me trouxe melhoria”
Folheando as páginas brancas dos meus livros es-
colares, vi que, por algum motivo, Zeus, Atenas, Posei-
don, Héracles e seus amigos não cederam espaço para
Xangô, Oxalá, Yemanjá e Odé. É certo também de que, na
minha escola, nunca se falou de Dandara e Zumbi, nem de
diáspora africana, nem se estudou cantigas, samba, funk
ou hip hop. Preto, pelo visto, não caia no vestibular.
“O jovem no Brasil não é levado a sério”
Daí podemos concordar, nossa juventude leva pe-
drada, é expulsa de suas casas, ou, no mínimo, é o ma-
cumbeiro da escola. Só é seguro se vestir de branco no
dia 31 de Dezembro e olhe lá. Somos vítimas de uma guerra
santa que não está sendo televisionada.
Mas que bom que a internet está aí, né? Consigo
me contatar, pelo Facebook, email, Whatsapp, ou até mesmo
pelo Tinder (hihi), com jovens do Brasil inteiro, que
passam pelos mesmos dilemas e alegrias que eu. Crescer
em uma época de tanta interconectividade é um alívio,
mas da mesma maneira que eu vejo apoio e entendimento,
vejo também racismo e intolerância religiosa como nunca
vi antes. Retratos de um tempo em que a burrice, o fas-
cismo, desinformação e a mentira encontraram nas redes
sociais a sua válvula de escape.
Preciso concluir esse texto, amanhã trabalho nor-
malmente, tenho roupa para lavar aqui em casa e ainda
tenho de arrumar um tempo para comprar uns itens na casa
de Umbanda.
“O Tempo dá, o Tempo tira, o Tempo passa e a folha vira!”
Ao procurar por esse ditado africano no Google,
me dei conta de como o tempo é algo interessante e de
como a minha percepção sobre ele mudou desde que comecei
a f reqüentar uma casa de Axé. De um lado o imediatis-
mo, o instantâneo, o acesso à informação em tempo real
através de notebooks, smartphones e inúmeras traquitanas
eletrônicas que acessam a rede mundial de computadores;
de um outro lado o movimento do sol, o cheiro da canjica,
o barulho do vento, o toque do atabaque e a compreensão
de que não irei achar a resposta para nenhuma das minhas
dúvidas espirituais no Google.
“Tempo, tempo, tempo, tempo.
És um dos deuses mais lindos”
Aos poucos, aprendi que tempo da vivência não se
cronometra, o tempo da ancestralidade não mede produ-
tividade, o tempo da tradição oral não se revela na
Wikipedia.
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Iroko Issó! Eró! Iroko Kissilé.