Ewe O conto das Folhas Sagradas Livro Ewe o conto das folhas | Page 14

Apresentação, estranhamentos e inquietações. 14 Quando numa atividade no terreiro, roça, ilê, casa de axé, de santo, ou tantos nomes que ouvimos dizer sobre o espaço que temos para saudar e cuidar de nossas frontes, templos, corpos, oris e sagrado, temos aquele momento único de simplesmente nos sentar em volta da mesa, posta na esteira, no chão, para além de saborear a sagrada comida de santo, ouvir sobre nossa cultura, compartilhar ancestralidade através da oralidade, juntos mais velhos e mais novos, sendo esta a maior riqueza, nosso bem mais precioso diante da sabedoria que carrega- mos, Podemos neste momento presenciar a conexão com tudo que nos faz existentes na matéria, todas as energias vitais, experienciar cada partícula pulsante e pensante dentro de nós mesmos e voltar para casa levando conosco um pouco mais de cada ser que ali estava, espiritual e humano. Prontos a repousar mais um dia de incansáveis atividades em volto de natureza. São nesses encontros, desde a chegada, os sor- risos e abraços, os banhos de folhas, as panelas fervo- rosas, os sons das colheres de pau, dos tambores, dos cânticos, dos pés descalços a varrer o chão em balanços dançantes, tudo que vemos, fazemos, ouvimos, tocamos e cheiramos, nos levam a reflexões e questionamentos pes- soais e interpessoais que nos remetem a trocar e apren- der coletivamente, pois uma dúvida gera outra, que leva a outra e a outra, e assim, auxiliamos uns aos outros nesta roda de conexões onde todo conhecimento é uma sabedoria, e toda sabedoria é compartilhada. Destas trocas, há sempre algo que fica pairado no ar, e de um encontro em particular nós, jovens de ter- reiro, fomos sentenciados a questionar nossa cultura de tradição de culto aos orixás na atualidade, como nos damos na atuação do resistir às nossas origens diante do abocanhar da globalização dos espaços urbanos, do tempo urbano, da cotidianidade urbana e toda sua fúria “segregatista”. Onde nossa natureza ancestral nos le- vará se não houver natureza para cultivar? Como atuar na transição destes espaços, uma vez que nós jovens temos nossas vidas expostas à sorte da aceitação diante de uma sociedade eurocentrista, que não reconhece sua matriz nas culturas africanas e as banaliza por isso. Foi então que pensamos em um projeto, onde jovens da zona leste, região de Itaquera, discutissem em rodas de conversas com nossos coletivos de tradição sobre a dualidade nas questões de tradições de matriz africanas x espaços urbanos e seu cotidiano. Dentro disto, aborda- mos quatro temas chaves que permearam estas discussões: 1 - a criminalização da pobreza e as construções sociais; 2 - o corpo: direitos e cuidados; 3 - o ser jovem de tradição e as relações nos espaços urbanos; 4 - a circu- laridade e continuidade da tradição do ponto de vista do jovem, tendo como orientador nossa relação ancestral com a natureza e as folhas de Ewe, visto por nós como orixá patrono da diversidade e todos nossos mais velhos e mais velhas de tradição. Buscamos pelos recursos públicos, uma vez que acreditamos que estas abordagens são de res- ponsabilidade do cuidado público, sendo estas questões de políticas públicas sociais e culturais. Diante das questões apresentamos possibilidades de conexões do ser ancestral de cada uma e um de nós com os textos produzidos pelo grupo e colaboradoras convidadas (os) em parceria com a responsabilidade de manter e levar a diante as culturas de matriz africanas, que para além da religiosidade como se imaginam, é uma visão de mundo com base nas construções coletivas e so- ciais praticadas pela oralidade em circunferências com a perseverança, afetividade, nobreza e resistência da herança de uma sociedade que tem sua construção baseada na amorosidade e compartilhamento do saber que toda vida é importante e deve ser respeitada e preservada. Portanto é com gratidão que os seres que habi- tam em nós saúdam os seres que habitam a todas e todos vocês! Muito axé, axé pra todo mundo, axé!!!