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n ce s s õ e s
Engenharia usou soluções clássicas e evitou abrir caminhos de serviço
*Matéria originalmente publicada na edição 528 (março/2014) da revista O Empreiteiro. A reportagem - aqui editada - é do jornalista Nildo Carlos de
Oliveira (falecido em janeiro de 2017), que esteve à época visitando as obras de duplicação da Serra do Cafezal, na rodovia Régis Bittencourt
Não há viajante que passe pela Serra do Cafezal, na BR-116, onde o
desnível é da ordem de 700 m, sem a convicção de que ali estará purgando
todos os seus pecados passados e futuros. É como se convergissem para
aquele trecho, os problemas acumulados de todas as rodovias do País.
De longe já se sabe que é ali onde tudo de pior pode acontecer:
congestionamentos a perder de vista; desastres com veículos destruí-
dos; danos materiais elevados; vítimas fatais e outras ocorrências, uma
das quais era muito comum até recentemente: assaltos a carretas por
bandos armados que apareciam de repente, de dia ou de noite, prati-
cavam os saques e desapareciam na mata, sumindo como fantasmas.
No ano passado registraram-se nessa estrada, com incidência maior de
ocorrência naquele trecho, 3.940 acidentes e a morte de 140 pessoas.
Um número de mortos maior do que em 2012, quando morreram 116.
O objetivo, na viagem àquele sítio, em meados deste mês (março),
ao largo dos acontecimentos que têm marcado historicamente os riscos
do tráfego pesado por aquela rodovia, foi apurar, nos limites da visita,
as causas da demora das obras e dos congestionamentos que se pro-
longam durante o dia e avançam madrugada adentro. Afinal, o pro-
blema na serra está presente diariamente nos relatos das dificuldades
de tráfego nas emissoras de rádio e TV que tratam do tema. E há muito
a revista vinha pretendendo mostrar o que a engenharia está fazendo
para resolver aquele gargalo rodoviário nos estreitos espaços — quase
nenhum — em que se vê confinada para realizar as obras necessárias.
O curioso é que se trata de uma rota tradicionalmente estratégi-
ca, sobretudo para a economia. Inaugurada pelo presidente Juscelino
Kubitschek em 1961, veio a ganhar o nome de Edmundo Régis Bit-
tencourt. Este engenheiro, que integrou a direção do antigo Depar-
tamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), foi quem mais se
empenhou em construí-la.
Antes da viagem até lá, pude conversar com o engenheiro Eneo Palaz-
zi, superintendente da concessionária Autopista Régis Bittencourt (Arteris).
Calmo, preciso, experiente, ele informou: “Quando, em 15 de fevereiro de
2008, assinamos o contrato de concessão com o governo federal, assumin-
do essa rodovia (anteriormente ela fora concedida à OHL), os nós da Serra do
Cafezal, de que você está falando, já estavam um tanto afrouxados”.
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Ele desenhou o cenário real de complexidades e explicou por que
as obras não têm condições de avançar na velocidade que seria de-
sejável, mas apenas na velocidade possível. Disse que na ligação São
Paulo-Curitiba muitos problemas já foram resolvidos ao longo de dé-
cadas. Contudo, o maior deles, e exatamente o que demanda maior
volume de investimento e de técnicas aplicadas em obras de arte es-
peciais, está exatamente ali, na Serra do Cafezal.
Lembrou que a rodovia tem sido duplicada por etapas. A partir de
1970 houve duplicação em suas extremidades. O trecho São Paulo até
Itapecerica da Serra é muito antigo, assim como o trecho inicial, em
Curitiba (PR). Tudo foi sendo feito fase a fase, ano a ano. O período
em que a duplicação se deu de forma mais contínua foi entre 1993
e 2000. Anteriormente houve duplicação de Registro (SP) a Curitiba,
com obras na Serra Barra do Azeite, Barra do Turvo e Serra do Alpino.
As duplicações aconteceram nos tempos em que a rodovia esteve sob
a responsabilidade do DNER e, depois, quando, por delegação, passou à
responsabilidade do DER-SP e Desenvolvimento Rodoviário S. A. (Dersa).
DUPLICAÇÃO MODERNA
Fazer uma duplicação moderna significaria, a rigor, construir a pis-
ta descendente da BR-116 com técnicas e máquinas modernas. Mas,
na Serra do Cafezal, o que é lógico não pode ser feito. A construção no
trecho, de quatro túneis e 36 viadutos, uma sucessão de 7 km de via-
dutos e 2 km de túneis, se dá cuidadosamente, mas, em alguns casos,
recorrendo-se a técnicas convencionais, algumas delas, defasadas.
Por conta do traçado antigo, com a peculiaridade inerente ao sis-
tema construtivo, que consistia de cortes e aterros, e da imposição da
licença para que a duplicação, moderna, fosse feita ao lado da pista
em funcionamento, várias complexidades vêm sendo enfrentadas. “Há
segmentos da estrada, talvez 19 km ou 20 km, que conseguiremos
construir na lateral da pista existente. Mas nos demais a situação evi-
dentemente se complica”, diz o engenheiro Eneo Pallazi. É que não há
como compatibilizar a construção da pista moderna com o traçado
antigo, deficiente, caracterizado por curvas muito acentuadas e com
rampas da ordem de 10% acima do normal.