I n M e
m o r i a m
Adeus ao mestre
Nildo Carlos Oliveira tinha três traços marcantes — sua ge-
nerosidade em orientar os jovens jornalistas, sua memória sobre
os fatos históricos da engenharia brasileira, desde os tempos do
Império, e sua visão crítica de como o Brasil poderia ser um país
melhor se as obras “comuns” de infraestrutura fossem projetadas
e construídas com mais qualidade, dentro do orçamento e prazo.
Na sua trajetória de 77 anos, trabalhou na Folha de S. Paulo e em
diversas revistas de arquitetura e infraestrutura, como Projeto,
Construção & Mercado, O Empreiteiro , entre outras.
Tenho a confessar que muito do que sei
sobre construção, infraestrutura e engenha-
ria, essa emaranhada teia que são as relações
entre empresas de engenharia e contratantes
públicos — que representam o governo nos
seus três níveis – devo ao Nildo. Ele atuou por
diversos períodos na revista OE que juntos
devem somar três décadas ou mais.
stacada
Colaboração de os
an
Testemunhamos o auge das obras de
na edição de 50
infraestrutura na época do “milagre brasileiro”, propiciado
pelo financiamento externo barato e abundante, construções es-
sas das quais a economia brasileira depende até hoje em termos
de transportes, energia, saneamento e indústrias de base como
petróleo e petroquímica. Visitamos muitas dessas obras in loco,
percorrendo as distâncias continentais desse País.
Estivemos na hidrelétrica de Curua Una, perto de Santarém
(PA), cujas fundações foram assentadas sobre solos arenosos;
fomos conhecer as superestacas de concreto que foram empre-
gadas no porto do Rio Grande (RS); quando visitamos uma bar-
ragem no rio Doce (ES), o engenheiro residente da obra mandou
buscar camarões de água doce para nosso jantar no canteiro de
obras; subimos numa caçamba de concretagem içada por guin-
daste para tirarmos do alto fotos panorâmicas da obra; voamos
num helicóptero sem portas na usina de Paulo Afonso (BA), para
não prejudicar a qualidade das imagens — foi a primeira vez que
vi o semblante do Nildo preocupado.
O primeiro emis-
sário de esgotos no rio
Amazonas, executado
com tubulação plásti-
ca, a partir de Manaus
(AM), ele apelidou de
“Operação Boiúna” na
matéria publicada na
revista OE — nome de
uma cobra aquática mi-
tológica que aparecia
Prêmio Especialistas recebido em 2015
na região; visitamos a
ponte Propriá-Colégio,
quando descobri que Nildo nasceu na região de Arapiraca (AL) -
e ele atravessou a ponte para ir até sua cidade natal; descemos
de Kombi a estrada velha de Angra dos Reis (RJ) para chegar ao
canteiro da usina nuclear Angra I, que foi a obra pioneira cons-
truída no País com “garantia de qualidade”.
Assistimos às tentativas infrutíferas do primeiro consórcio
construtor nas obras de fundações da ponte Rio-Niterói, que
acabou abandonando, e a chegada de outro consórcio que trouxe
o engenheiro Bruno Contarini, que estava na Argélia num projeto
do Niemeyer, para liderar os trabalhos, importar novos equipa-
mentos para escavar as fundações e erguer a ponte sobre a baía
de Guanabara. Esses fatos estão registrados no li-
vro “O Mestre da Arte de Resolver Estruturas”, que
Nildo escreveu recentemente sobre a história do
Contarini e suas obras e publicou no ano passado.
Ele reclamava nos tempos recentes como
se tornaram raras no País as obras marcantes
de engenharia. O último projeto que Nildo fez
questão de visitar pessoalmente foi a hidrelé- Um de seus
livros
trica de Belo Monte, no Pará, e as complexas
soluções de engenharia adotadas, que incluiu estudos minu-
ciosos sobre o enchimento do reservatório para preservar a rede
de igarapés. Lamentou que os trabalhos de enge-
nharia ficassem num segundo plano perante a opi-
nião pública, ofuscados pelas questões indígenas
que o governo não conseguia solucionar.
Estas são algumas das passagens da maravilhosa
convivência de mais de três décadas, ao lado do jor-
nalista e amigo Nildo. A imprensa especializada, as
instituições de engenharia, as empresas construtoras,
projetistas e de montagem industrial, e seus amigos
Nildo Carlos Oliveira em visita as obras da hidrelétrica Belo Monte, no Pará, em 2014
jornalistas vão sentir muito a sua falta. (Joseph Young)
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