Ed. 318 - completa Maio / Junho - 2020 | Page 62

OPINIÃO Colunista Em tempos de pandemia: a necessária reconstrução do Estado Vive-se tempos inimagináveis a nossa geração. Como uma espécie de tsunami planetário, um vírus conduz-nos por caminhos impensados e vivemos o presente de uma forma sem precedente. É certo que, felizmente, não tivemos - até então - a nefasta experiência de um Marciano Buffon pós-Doutor, professor da Unisinos [email protected] conflito armado e, vale sempre lembrar, que “não há nada pior do que a guerra”, como dizia Hemingway. Por isso, esta pandemia é, seguramente, a pior experiência que os nascidos neste tempo (nos países que não tiveram guerras pelo menos) estão a partilhar. Não obstante a natural angústia e inquietação, é fundamental manter a racionalidade humanista e fazer dela uma espécie de motor de propulsão para nossas escolhas e ações, seja no plano individual ou coletivo. Optar por esse caminho implica estabelecer uma escala valorativa de prioridades, na qual a vida humana ocupa o topo do cume. Preservar a existência, sobretudo dos mais fragilizados, consiste em imperativo humanista inegociável. Parafraseando o saudoso prof. Ovídio Baptista, o que diriam os pósteros, se essa geração assistisse ao padecimento dos mais vulneráveis com a mesma indiferença de quem comenta o tempo? Ou ainda, como é possível que alguém se declare “temente a Deus” e seja insensível à dor e ao concreto risco de morte alheia? Se argumentos de ordem humanista não são suficientes, convém lembrar que nada mais destroça a economia do que empilhar cadáveres como se fossem apenas “danos colaterais”, lembrando aqui a infeliz expressão consagrada pelos “falcões de Bush” durante a trágica Guerra do Iraque. Estudos recentemente publicados sobre a Gripe Espanhola, de um século atrás, demonstram que cidades e estados americanos que fizeram a opção “pela economia” em detrimento das vidas, foram os mais afetados economicamente por aquela pandemia. Ou seja, nesse primeiro momento, é desumano e antieconômico (inclusive) opor vidas à economia, mesmo que isso se apresente de uma maneira sútil e disfarçada de falso pragmatismo e aceitação da realidade. Tampouco, é possível que políticos discutam ciência. Aqueles hão de simplesmente agir em consonância com esta, até porque - se forem inteligentes e tiverem conhecimento histórico - haverão de lembrar que há um preço altíssimo a pagar pelo negacionismo científico e que democracia, como lembrava Asimov, não pode significar que “a minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento”. Tudo indica que será um período longo (ou muito maior do que nossa inquietação e angústia). O ônus para as finanças públicas será sem precedentes. Muitos negócios encontrarão a insolvência. Uma parcela expressiva da população ficará sem renda (seja aquela proveniente do emprego, seja da informalidade). São, pois, os três grandes desafios, a curto e médio prazo, que virão a reboque do maior antes mencionado. Em vista disso, não há, nesse momento, espaço algum para o mantra da austeridade pública, até porque, em países como o Brasil, ela foi sempre regressivamente seletiva. Mais do que nunca, o Estado há de exercer seu papel de protagonista e protetor, sobretudo daqueles que mais dele necessitam. Políticos e economistas vinculados a concepções radicalmente liberais não têm condições de seguir em frente nesta jornada. Simplesmente, porque precisam fazer tudo ao contrário do que sempre acreditaram ser o correto e, obviamente, sequer sabem como agir, concatenadamente, diante de tal quadro. Mal comparando, seria o mesmo que exigir que colegiais treinados em fazer soar 62 • maio | junho