Presente de Natal
Patty Freitas
O cheiro do papelão que logo ao entrar impregnou-me as narinas, tornava-se mais forte e denso.
Sentada com meus pés vacilantes no sofá da casa ao lado da minha, meus olhinhos de criança brilha-
vam cada vez que pairavam sobre a grande caixa.
Eu sabia exatamente o que era. Mas tinha que fingir não saber.
Meu pai passara onze meses economizando pra comprar o que para mim seria o melhor presente que
eu havia ganhado em toda a minha pouca existência. Queria me fazer uma
surpresa.
Mal sabia, que eu ouvira comentar com minha mãe, certa ocasião en-
quanto ela o servia de uma xícara de café antes de uma jornada de trabalho.
Sempre pela madrugada eu percebia quando levantavam e dirigiam-se a hu-
milde mesa que havia no centro da cozinha. Ligavam o rádio para não se em-
baraçarem com o horário, e depois de tomar um gole do café e saciar a fome
com o pão com manteiga, tipicamente brasileiros, papai saía para o trabalho
e retornava só no fim da tarde.
Mas eu tinha que ser firme. Não poderia decepcioná-lo. Eram onze me-
ses economizando, e eu não poderia pôr tudo a perder. Embora a emoção
contida parecesse que ia extrapolar a qualquer momento, entregando-me.
Transbordava pelos olhos ou pelos pés que de tão pequena, eu não conseguia
tocar o chão e insistiam em balançarem no imenso sofá.
Seu Rudge era conhecido de meu pai há muitos anos. Haviam trabalha-
dos juntos numa antiga montadora e agora, abrigava meu presente algumas
semanas antes do Natal. Punha dessa forma, fim o que para mim havia se
tornado um mistério, pois eu sabia que já havia comprado, mas certo era que
não estava em casa, logo eu perceberia nos apertados cômodos do quarto e
cozinha que morávamos aos fundos da casa dos meus avós.
A medida que a conversa se desenrolava, ficava mais e mais difícil disfar-
çar a emoção e consequentemente o ar de surpresa que eu deveria fazer.
Naquele dia pela manhã, ele havia dado dicas que eu ganharia um
presente. Logo ao entrarmos na casa de seu Rudge já fui indagada so-
bre o que eu ganharia de Natal, o que veementemente tive que dizer
que não sabia.
Homem simples e humilde, não era acostumado a fazer muita cerimônia
nos assuntos, já tivera sido grande milagre ter guardado segredo por tanto
tempo. Levantou-se do sofá, interrompendo a conversa que já estava com
fim marcado, pegou a grande caixa e depositou-a à minha frente.
dar.
Vendo minhas frustradas tentativas de abri-la com minhas mãozinhas de dedos finos, pôs-se a me aju-
Retiramos juntos aquela máquina dos sonhos. Linda, brilhante tanto quanto meus olhinhos, toda azul
com detalhes verdes.
Não pude mais conter a emoção. Lágrimas copiosas caiam em meu colo, que quem visse julgaria se
tratar de uma grande surpresa para a menina de cinco anos que naquela época eu era.
Azul com detalhes verdes, mal importava-me. Poderia ser preta com bolinha laranjas, o importante era
sair pedalando pelas ruas do bairro. Ah! naquele tempo ser criança ainda nos era permitido.
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