Dragões #426 Mai 2022 | Page 73

A ROTA DO DRAGÃO
e adaptada a estas funções na década de 1840 , por iniciativa de António Bernardino Peixe ( e daí o nome da pensão ). Hoje , e desde os inícios do século XX , abriga serviços municipais . E embora para muitos portuenses continue a ser conhecido como o antigo edifício dos serviços de eletricidade , há já muitos anos que aloja serviços culturais da autarquia : o Palacete Balsemão . Tal designação resulta do facto de , posteriormente à sua utilização como pensão , ter sido de novo utilizado como edifício residencial , qualificado , dos viscondes de Balsemão , para quem , por laços familiares e matrimoniais , passara a posse do imóvel . Estes , no entanto , venderiam o palacete em 1854 ao grande proprietário e “ capitalista ” José António de Sousa Basto , 1 .º visconde da Trindade , que no topo da construção colocou o
Em cima A pedra de armas , com unicórnio e dragão , no topo do Palacete Balsemão ( Praça de Carlos Alberto )
À esquerda Quadro do visconde da Trindade , em cuja moldura se destaca um dragão do seu brasão ( instalações da Ordem da Trindade )
seu brasão talhado numa belíssima pedra de armas em mármore que integra , como suportes e ladeando o escudo , um unicórnio e um dragão . Um belíssimo dragão dominando uma das mais icónicas praças do Porto . Mas não só no exterior . Também no interior , na impactante escadaria central do palacete , podemos detetar , usadas como elementos decorativos , representações de cabeças de figuras com o seu quê de dragão . O brasão do visconde da Trindade , com o seu dragão , pode ser igualmente observado , talhado na madeira da moldura , no seu retrato pintado a óleo existente nas históricas instalações da Ordem da Trindade . A utilização de uma figura mitológica aparentada ao dragão - a de um grifo - ocorre numa outra imponente pedra de armas , granítica , que
apresenta o brasão de outra aristocrática família que se fixou na cidade . Com efeito , no cunhal da Rua das Flores com o Largo de S . Domingos , a Casa dos Cunha Pimentel ostenta o símbolo da família . Datada do século XVIII , esta pedra de armas é considerada uma das mais belas da cidade e localizase num local de grande importância . Não só pela grande visibilidade , bem no topo do largo ; não só porque este foi , durante séculos , o mais amplo do burgo e palco de importantes acontecimentos ; mas também porque a Rua das Flores , aberta em 1521 , se converteu numa das mais qualificadas artérias do Porto , atraindo para si a sede de importantes instituições ( Misericórdia do Porto , Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro , Hospital D . Lopo …), mas também as residências e estabelecimentos de importantes elementos da burguesia portuense , e os palacetes residenciais de várias famílias aristocráticas que aqui se fixaram . A origem do imóvel onde se ergue este brasão remonta a meados do século XVI e estava então na posse do capitão Francisco de Miranda . Seriam os seus descendentes que , em 1699 , venderiam a casa à família Cunha Pimentel , que poucas décadas depois aqui colocaria o belo brasão barroco que , como timbre sobre o elmo , apresenta esse grifo com o seu quê de sáurio … Esta casa pertence desde 1998 à Santa Casa da Misericórdia do Porto que aqui instalou alguns dos seus serviços administrativos e de apoio ao seu museu , localizado do outro lado da rua . Mas foi ainda nela que , em 1904 , nasceu o poeta
Pedro da Cunha Pimentel Homem de Melo , destacado portuense e portista , que ao FC Porto dedicou um famoso poema que se encontrava num painel de azulejos no desaparecido Estádio das
Antas , mas que foi devidamente
preservado e é hoje uma peça em destaque no museu do clube . A presença do dragão em elementos heráldicos regista-se também no início da Avenida da Boavista . Neste caso , contudo , não se trata do brasão de uma família fidalga , mas sim do histórico Hospital Militar D . Pedro V . A referência ao antigo monarca é uma homenagem ao rei que , ainda jovem e na sequência de uma visita que fez à cidade , idealizou e se empenhou pessoalmente na construção de tal equipamento pioneiro . De facto , embora já existissem hospitais militares no Porto , tais espaços eram muito desqualificados e aproveitavam edifícios que originalmente tinham sido pensados para outros fins . O Hospital Militar do Porto seria , assim , a primeira unidade hospitalar militar construída de raiz em Portugal . A Carta de Lei que autoriza a sua construção data de 1854 e foi assinada pelo seu pai , o regente D . Fernando II , porque Pedro V era ainda menor . O seu curto e trágico reinado , terminado abruptamente com a sua morte precoce em 1861 , não lhe permitiria assistir à concretização do ambicionado projeto que , no entanto , seria assegurado pelo seu irmão , o rei Luís I , que faria questão em batizar o hospital com o nome do seu malogrado irmão . Em 1869 aqui davam entrada os primeiros doentes . Apesar do regime republicano o ter rebatizado apenas como Hospital Militar do Porto , em 1990 de novo o nome do seu fundador passou a constar da designação do hospital . Mais recentemente , com a criação nacional do Hospital das Forças Armadas , este seu polo no Porto mantém a referência a D . Pedro V . E , no seu brasão , bem evidente no muro exterior , uma figura draconiana , sobre uma cruz vermelha , segura a vara de Esculápio , símbolo tradicional da Medicina .
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REVISTA DRAGÕES MAIO 2022