Dragões #467 Out 2025 | Page 18

TEMA DE CAPA
OUTUBRO 2025 REVISTA DRAGÕES

HUMOR DE ÁREA

Estocolmo em ebulição, estreia de risco e uma resposta desarmante:“ Nervoso? Na verdade, não”. Deniz Gül não faz ruído, faz golos. No FC Porto, estica linhas, acelera o ritmo e transforma meia oportunidade numa história completa.
TEXTO de ALBERTO BARBOSA

Há avançados que se escondem por tás dos fones e outros que ligam o balneário à corrente. Deniz Gül faz as duas coisas: dedica pouco espaço às palavras e ocupa muito espaço na área. O retrato começou a ser desenhado em outubro de 2023, por ocasião da estreia na liga sueca, precisamente num dérbi de Estocolmo com quase 25 mil adeptos nas bancadas para assistir a um Djurgården-Hammarby. No final do empate sem golos, perguntaram-lhe se tremeu.“ Nervoso? Na verdade, não”. Sem expressões épicas, sem violinos, sem legendas, respondeu com a confiança de quem sabe onde a baliza fica. A história seguinte ajuda a explicar o resto. Na semana imediata, na primeira vez como titular pelo Hammarby, a bola entra e Gül reage num festejo de manual: braços abertos, cara de primeiro golo, aquele segundo e meio em que tudo parece perfeito. Só que o golo, aquele cabeceamento perfeito, é invalidado. Azedume? Nada. Na flash saiu-lhe um sorriso:“ Viste como festejei?”. É humor seco de quem leva o jogo a sério, mas não se leva demasiado a sério. E esta mistura entre foco e leveza cola-se bem ao que se vê no Dragão. O“ manual Gül” tem uma regra simples, dita em versão júnior, quando já era campeão e melhor marcador dos Sub-19 do Hammarby:“ Porquê? Não sei, eu só marco golos”. Não é pose, é o método de quem não complica nem se perde no campo: a baliza é o norte, a área é o recreio da escola e tudo o que interessa é chegar primeiro ao ponto de encontro entre a bola e a oportunidade. Deniz não nasceu ponta-de-lança, mas em 2021 o corpo acelerou e a fisionomia empurrou-o para a frente. Fixou-se como 9 moderno, daqueles que tanto servem de parede como atacam a profundidade. Ganhou corpo, ganhou baliza, e fez suspense no capítulo das seleções. Primeiro recusou a chamada aos sub-21 da Turquia para se concentrar na época que fazia no Hammarby; meses depois, trocou a Suécia e abriu a porta grande da seleção principal turca. Não foi novela, foi gestão de carreira, porque“ escolhas pedem tempo”. No FC Porto ganhou fama de equilibrar jogos: entra, sobe o bloco, estica a última linha adversária e oferece aquela inquietação que faz um treinador olhar para o relógio e pensar que ainda é possível. É a famosa sina de quem muda o ritmo quando o ritmo parece fechado: meia-chance pode ser suficiente e um ressalto serve de convite. Para Farioli, Deniz Gül é sinónimo de impacto imediato e curva de crescimento. O treinador tem sublinhado“ a evolução” do avançado e a forma como“ entra sempre muito bem”, elogiando a disponibilidade competitiva e a inteligência nas zonas de finalização. Depois de Arouca, onde observou que Gül“ merecia um golo”, Farioli voltou a reforçar a confiança no sueco após a vitória europeia sobre o Estrela Vermelha, destacando-lhe a progressão diária no Olival. Até no clássico com o Benfica deixou a nota pública de proteção –“ Se lhe puxam a camisola, é penálti” –, sinal de que vê em Gül não só um finalizador em ascensão, mas um ativo estratégico do modelo ofensivo. Há, no fundo, um lado rústico e simples nesta carreira em construção: humor no bolso, frieza no gesto e a pontaria em afinação. Não precisamos de o ouvir muito para perceber o que traz: centímetros que contam, diagonais que rasgam e um sorriso que desarma a solenidade do jogo. Entre o festejo que não contou e os golos que vão contar, fica a certeza de que o avançado do FC Porto prefere deixar a explicação para os outros. Ele, por via das dúvidas, continua fiel ao melhor resumo de si próprio: Porquê? Não sabe. Só marca golos.

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