Detectives Selvagens 2- Medo | Page 98

Luísa rodrigues diminui, reduzindo-se a um silêncio sepulcral que chegou aos ouvidos de António. Pouco a pouco foi recuperando o controlo sobre o seu corpo. Devagar deixou o esconderijo e rastejou até à porta entreaberta, espreitou e no meio da sala vislumbrou uma mulher ensanguentada, deitada de barriga para o chão, que olhava diretamente para si. Estava morta. Instintivamente, António ocultou-se atrás da porta e um pânico eletrizante imobilizou-o completamente. Os olhos azuis da Ana, despojados de vida, a pele branca arroxeada, os lábios vermelhos de sangue. O sorriso aberto fechado para sempre. A doce voz calada. O riso solto, mudo. Uns segundos depois o espaço foi invadido por uma chusma de polícias armados até aos dentes. António respirou fundo e chorou longamente, de cabeça enfiada entre os joelhos. Naquela manhã, morreram oito jornalistas. O medo tomou conta do País e amordaçou a liberdade. António despediu-se do jornal onde trabalhou dez anos, vendeu o apartamento e regressou para casa dos pais numa aldeia do interior. Todos os dias quando acorda, agradece a alguém pela vida que foi poupada. Ainda não fala diretamente com Deus, mas sente-se grato. À noite, conversa com a Ana. A amizade não se detém sequer perante a morte. 98