Luísa rodrigues
diminui, reduzindo-se a um silêncio sepulcral que chegou aos
ouvidos de António. Pouco a pouco foi recuperando o
controlo sobre o seu corpo. Devagar deixou o esconderijo e
rastejou até à porta entreaberta, espreitou e no meio da sala
vislumbrou uma mulher ensanguentada, deitada de barriga
para o chão, que olhava diretamente para si. Estava morta.
Instintivamente, António ocultou-se atrás da porta e um
pânico eletrizante imobilizou-o completamente. Os olhos
azuis da Ana, despojados de vida, a pele branca arroxeada,
os lábios vermelhos de sangue. O sorriso aberto fechado para
sempre. A doce voz calada. O riso solto, mudo. Uns
segundos depois o espaço foi invadido por uma chusma de
polícias armados até aos dentes. António respirou fundo e
chorou longamente, de cabeça enfiada entre os joelhos.
Naquela manhã, morreram oito jornalistas. O medo
tomou conta do País e amordaçou a liberdade.
António despediu-se do jornal onde trabalhou dez anos,
vendeu o apartamento e regressou para casa dos pais numa
aldeia do interior. Todos os dias quando acorda, agradece a
alguém pela vida que foi poupada. Ainda não fala
diretamente com Deus, mas sente-se grato. À noite, conversa
com a Ana. A amizade não se detém sequer perante a morte.
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