Calma penada
Doutor.
Doutora.
Doutor.
Doutora.
António.
Doutor.
António.
Doutora.
Pego no envelope e coloco-o no bolso do casaco, num
daqueles gestos geométricos de bancário de meia-idade e
saio, deixando-os numa espécie de pose de quem assiste a um
funeral, aliviados pelo este já foi mas nós ainda aqui estamos,
não os vejo mas quero acreditar que trocam olhares e sei que,
pelo menos, um dos cabrões está a sorrir.
Desço as escadas de pedra, os sapatos a quererem
deslizar nas arestas gastas fazem com que o encontro com o
tapete da entrada seja um momento de insólito prazer,
aproveito para parar e olhar para o espelho e tactear o
envelope no bolso e, agora sim, sair pela porta e enfrentar o
sol do meio-dia, pelo menos suponho que é meio-dia, deixei
o relógio na gaveta do escritório quando me chamaram, com
esta comoção toda nem me lembrei do relógio, vou ter de
pedir a alguém que mo dê, atravesso a rua e estranho a
sensação de não ter nada que fazer. Entro no primeiro café
que encontro, nunca tinha vindo aqui, diria até que nunca
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