Detectives Selvagens 2- Medo | Page 72

Paulo maia cenários eram em tudo semelhantes ao passado dos meus tios. Isto fazia de cada episódio numa pequena viagem nostálgica. Nunca mais desdenhei das novelas... Diferente do que se passa na cidade, o ambiente de vila transforma um acontecimento destes num evento social. No velório compareceram um elevado número de pessoas, vindas de todas as vilas vizinhas. Fizeram-me cumprimentar toda a gente, e todos me foram apresentados como primos. Lembro-me das expressões faciais de todos os elementos da família. Do mais completo desnorte, da tristeza, da saudade e do vazio que todos sentiam. Lembro-me do meu primo, que na altura era um verdadeiro bad boy, e um dos meus ídolos de juventude. De cara lavada em lágrimas, as palavras dele eram simples. “Foi-se o meu pai”. Eu era muito novo, demasiado ausente (morava em Lisboa), para ter uma relação próxima com o tio Américo. A dor de todos, no entanto, não deixava de me tocar, e senti-me culpado por não chorar, como faziam os primos. Pela primeira vez, a morte era uma presença real na minha vida. Era agora confrontado com a estranha sensação de ausência. Ainda hoje está muito presente na minha memória, e é das recordações mais marcadas que 72