Tiago côrte-real
parasitário que todos estes anos me cegou. E se o intruso sou
eu? Oh raios, isso não traria nada de bom.
Para lhe dizer a verdade, no fundo sempre achei que
este corpo me ficava largo, enorme em todos os aspectos. Por
isso, ontem recorri a uma faca de cozinha para chegar ao
fundo disto. Estava convicto que algo iria aparecer, mas não
sei bem o quê. Por enquanto só vi tecido mole, músculo e
osso. Cortei primeiro os nervos para a dor não chegar ao
cérebro. Não funcionou. Não sei se alguma vez tentou cortar
um osso pelo meio, sem recorrer a atalhos. Duro como
pedra. Imagino a frustração e a claustrofobia do Outro, a
esbracejar sem conseguir sair. Seria mais do que suficiente
para me fazer e nlouquecer. Mas acho que tenho um martelo
algures.Trouxe–o para casa quando fechei as janelas. Mais
uma vez, o proletariado sai em ajuda da intelligentsia.
Dia 4
Menti–lhe e essa é a verdade. O meu propósito não
tinha nada de altruísta nem de libertador, mas sim de
destrutivo. Aquele clamor constante estava a enlouquecer–me
e só a sua aniquilação seria suficiente. Encontrei o martelo e
dei–lhe o melhor uso que pude. Escrevo–lhe unicamente com
um dedo da mão esquerda, por isso não me condene a
lentidão, mas esta que será possivelmente a última vez que o
faço. Escrever–lhe, quero dizer.
12