Detectives Selvagens 0 - Julho 2014 | Page 56

LOURENÇO BRAY fomos pelo corredor. O guarda Neves batia com o bastão na mão e assobiava o hino da alegria. O Barros espreitou da guarita e sorriu maldosamente, depois escondeu-se outra vez e ficou à espera, a fingir que não nos tinha visto. O guarda murmurou 'agora é que vais ver' entre dentes e, depois de carregar no botão de solicitação de abertura de portão, ficámos os dois ali especados debaixo da luz vermelha intermitente. O Barros saiu da guarita aos saltinhos e ia pedir a senha-poema do dia quando o meu guarda lhe berrou: ─ Descalça vai para a fonte Lianor pela verdura; Vai fermosa, e não segura. Leva na cabeça o pote, O testo nas mãos de prata, Cinta de fina escarlata. Agora abre lá essa merda. O Barros estacou e todo o seu corpo se relaxou num amuo desiludido. Abriu o portão. Fungou ao passarmos por ele e limpou o nariz à manga do uniforme. ─ Não queres perguntar para onde o levo? ─ atirou-lhe o meu guarda, muito bem disposto. ─ Quero lá saber. ─ resmungou o Barros, de mãos nos bolsos, refugiando-se na guarita. O guarda Neves, todo ele era felicidade em uniforme. 56