Date a Home Magazine | Mar / Abr 2014 | Page 50

REPORTAGEM | Música | A Música Mora Aqui

A música mora hoje na vida de Mafalda Arnauth, mas começou de forma surpreendente diz, numa praxe académica. “Tive a felicidade de viver uma coisa muito engraçada e de me obrigarem a cantar um fado. Estava em Veterinária, e vivíamos um espirito académico com alguma boémia. De re-pente, começa-se a revelar algo que me era muito pessoal que era cantar, e que publicamente come-çou com os veteranos a pedirem-me para preparar e cantar um fado… fui comprar um CD da Amália, e a minha vida mudou a partir daí.”

A música transitava assim de um foro pessoal, bem mais intimista e pacato, para uma carreira que diariamente foi crescendo de notoriedade, de reconhecimento e de sucessos. Até porque quem canta com alma encanta, e Mafalda Arnauth tem essa paixão tão visível, tão patente no seu trabalho e na forma de estar no Fado e na música. “Gosto de cantar pela sensação que o canto provoca em ter-mos físicos. É realmente uma descarga, é o próprio ar a circular. E quanto melhor o ar circula melhor soa aquilo que estamos a fazer e há uma altura em que parece que oxigenamos tudo, a cabeça e a alma!... Fisicamente cantar Fado é como subir vários degraus ao mesmo tempo. A forma como o Fado acontece é uma coisa do outro mundo! É mes-mo difícil de explicar… essa força, essa viscera-lidade quase, é uma coisa muito transformadora, muito bonita.”

“Terra da Luz” é o seu último trabalho, editado em outubro de 2013 e que a traz de volta aos palcos numa sequência musical que mostra uma evolução no seu percurso que a par com o Fado abarca agora outras musicalidades e onde Mafalda Arnauth re-força o seu estatuto de cantautora. Este trabalho, mais do que nunca surge com uma carga emotiva bastante elevada e com a revelação em cada música de significativas pinceladas daquilo que a vida nos dá, bem como das próprias vivências da cantora. Mafalda conta-nos o que é a “Terra da Luz”: “A terra de cada um é um lugar muito pessoal. Quer-se fértil, abundante, fresca, segura, transparente. É nossa. É pessoal. Mas quantas vezes é desconhecida, agres-te, exigente, fugidia, desafiando-nos a cada passo que nela traçamos. Conforta-me saber dos mitos, talvez românticos, talvez com algum fundo de ver-dade, que me contam ter nascido na que outrora se chamou 'Terra da Luz'. Ou 'Terra do Homem Livre'. E inspira-me reconhecer na minha alma uma ances-tralidade de grandes feitos, grandes conquistas, grandes visões e sonhos que contam hoje a história da origem do meu povo e da raiz das minhas refer-ências. Mesmo que esta não tenha sido a 'Terra da Luz', é sempre da luz que a minha matriz nasce e de luz que a minha terra se veste”.

Este é agora um fado não tão fatalista, mas de cria-ção, construção, de inspiração… de luz no fundo. Oferece agora ao seu público também outra sonori-dade, com o surgimento de um piano, de um contrabaixo, de percussão para o disco, mas com conteúdos que conferem um seguimento e evolu-ção muito natural no percurso de Mafalda Arnauth na Música. Este, diz Mafalda, foi definitivamente um regresso também àquilo que tanto gosta que é a composição e é criar cada vez mais uma sonoridade própria. “Talvez por ter um respeito cada vez maior pelo fado. A minha raiz é fadista, a minha alma é fadista, mas nem tudo o que eu faço é Fado!... é importante ter uma raiz, uma fonte de inspiração, mas é preciso ter mensagem, conteúdo. Não só carisma, mas um som próprio… é dizer eu sou deste país, eu sou desta cultura, eu sou desta raiz, mas eu tenho asas e nasci num tempo de horizontes abertos, portanto as minhas influências são muitas e naturalmente o que vou criando é fruto disso.”

Diz-nos que há períodos em que a música ocupa 120% do seu tempo, uma vez que a parte musical e o estado de alma que é preciso ter e que é preciso não deixar adormecer exige muita entrega, mas também há tempos em que consegue desligar esse botão e ser realmente, não outra pessoa, porque não cria um personagem para a fadista que é, mas ser simplesmente pessoa.

“Neste último disco voltei a criar e a compor muito e tenho que me ligar a esse estado de alma e às vi-

"Fisicamente cantar Fado é como subir vários degraus ao mesmo tempo. A forma como o Fado acontece é uma coisa do outro mundo!"

"Neste último disco voltei a criar e a compor muito e tenho que me ligar a esse estado de alma."

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