Date a Home Magazine | Mai / Jun 2014 | Page 84

do dia oferecem-no aos sem-abrigo”. Um dia, já bas-tante enfraquecido de medo e frio (era janeiro) vê um folheto. Tinha um logotipo da Expo 98. “Não percebia nada de alemão, mas decifrei a mensagem principal. A Expo era patrocinadora de um evento, nada mais, nada menos que o boat show de Düsseldorf, que ocorria naquela semana! Como entrar sem dinheiro? Ofereci-me para ajudar na montagem dos stands. Uma vez lá dentro reparei que havia uma conferência de imprensa. Por essa altura já tinha três dias de rua, sem fazer a higiene pessoal. Lavei-me na casa de banho e dei um jeito ao cabelo. Deitei fora a roupa velha. Peguei no telefone e no meu melhor inglês, passei à frente da rececionista a fingir que estava a falar com uma colega da CNN. Nancy, hi, I'm here, just arrived, everything's cool, i'm a little bit late for the press conference. Daí a pouco estava sentado no auditório. De repente, sou reconhecido por alguém. “Tu não és aquele português que quer dar a volta ao mundo?”. Era o João Filipe Galvão, diretor do museu marítimo da exposição náutica da Expo. Fui com ele até ao espaço do Turismo de Portugal, apresentou-me a algumas pessoas e eu cheio de fome, à rasca”, revive. Foi no stand de Portugal que Ricardo dormiu, à soca-pa, duas noites até ser detetado por um segurança. Antevia-se o pior: voltar para a rua. Eis que acontece algo incrível: “O João Filipe Galvão vem ter comigo, aflito, a perguntar qual era a minha altura. A pessoa que fazia de Gil tinha faltado e precisavam de um substituto. Estar dentro de um boneco até ele encher de ar foi a experiência mais claustrofóbica da minha vida. Tive de andar de pernas e pés encara-colados, com um aspirador (insuflador de ar) entre pernas. A parte boa é que ganhava 15 contos por dia e explorava os stands enquanto distribuía pin’s e porta-chaves de Portugal”, relata. Ganhou dinheiro, conheceu um dos filhos de Jacques Costeau e fez contactos que mantém até hoje, mas Richard Hübner nunca ligou.

Os episódios picarescos sucedem-se na vida deste navegador. Contatou mais de quatro mil empresas em busca de patrocínios, sem sucesso. “Todos, todos os dias estava na Expo a gerar contactos e reuniões. Para mim, na altura, foi uma coisa irreal não ter conseguido”. Na última noite da Expo 98, Ricardo Diniz deve ter sido o único português infeliz enqu-anto assistia ao fogo de artifício que encerrou o evento. A mágoa era do tamanho dos oceanos. Uma reportagem da CNN inverteu o processo e hoje está nos píncaros dessa modalidade de alto risco que é o orgulho nacional.

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