Date a Home Magazine | Mai / Jun 2014 | Page 62

O local não poderia ter sido mais bem escolhido. Passavam das três da tarde quando subimos ao apartamento do ‘grande’, sempre ouvira dizer, Jorge Palma. Ninguém se conhecia, mas rapida-mente os toques ao piano quebraram o gelo. São dois, um de cauda e um vertical. As guitarras es-palhadas, os prémios de carreira, os livros, CDs e anotações amontoam-se sem ordem de impor-tância. Tudo é relevante. A conversa decorreu sem pressas e, sem maquilhagem, numa espécie de viagem do passado deste mestre da música portu-guesa.

Aos quatro anos tocava nas primeiras teclas, aos seis começou a aprender a tocar piano, aos oito iniciou-se nas audições e aos doze venceu o pri-meiro prémio num concurso internacional. “Trigo limpo farinha amparo”, como é que isto descambou ao ponto de ter ido parar a um colégio interno? “Ti-nha 14 anos e estava a seguir um caminho duvi-doso. Mas visto a esta distância posso dizer que foi uma experiência que me marcou de forma positiva. Provavelmente, se os meus pais não tivessem to-mado essa decisão hoje andava por ai a assaltar ca-sas ou bancos”, conta. Ainda solta gargalhadas ao recordar comportamentos da juventude. “Houve uma fase em que não pagava as aulas de piano com o dinheiro que a minha mãe enviava por mim. E lembro-me bem do pimenteiro que a professora Fernanda Chichorro colocava em cima do piano para me meter na língua.”

No livro ‘Na Palma da Mão’, a sua biografia oficial, percebemos que fez (quase) tudo politicamente in-correto, sobretudo para quem deseja trilhar um rumo na música. Em sua defesa diz apenas que foi o “contornar obstáculos e mentalidades”. Desistiu dos estudos, foi para Copenhaga para fugir à guerra colonial, trabalhou como camareiro de hotel, re-gressou a Portugal, e concluiu o curso na Escola de Música do Conservatório Nacional. Voltou a sair. Paris, Londres, Berlim… viveu em hotéis e tocou nas ruas. Não há volta a dar, a música permanece sem-pre como o centro da sua vida. O que vai fazer se um dia não puder cantar? “Não gosto de pensar nis-so, se um dia me acontecer alguma coisa eu hei de dar a volta!”

A música é uma extensão do homem, do cantor, do compositor e intérprete. Jorge Palma respira mú-sica, transpira música. O seu último trabalho, edi-tado em 2011, “Com Todo o Respeito", foi galar-doado com a distinção Pedro Osório, atribuída pela

"Fisicamente cantar Fado é como subir vários degraus ao mesmo tempo. A forma como o Fado acontece é uma coisa do outro mundo!"

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