Date a Home Magazine | Jan / Fev 2014 | Page 17

A manhã chega à boleia da chuva, mil luzes outrora escondidas, reservadas à noite, manifestam revol-ta pela escuridão cinzenta que o tempo resolveu vestir ao dia. Olho pela janela e ignoro a contrari-edade, sigo apaixonadamente uma lágrima da vida a seguir caminho pelo vidro do seu destino. São tão belas as pequenas coisas da vida.

Saio para a rua preparada para abraçar a intem-périe, porque um cúpido jamais se deixa vencer pelo inoportuno. Desço a rua, deixando peugadas determinadas, rumo a mais um encontro marcado com a fortuna.

Admiro os rostos fechados dos transeuntes que por mim passam sem me verem, pergunto-me se conhecerão o doce sabor da “revelação”, aquele momento em que entramos num espaço e sen-timos como nosso desde sempre, como se a nossa alma fosse no mínimo tangível ao objeto, o cora-ção de um organismo que só vive por nós. Abro um sorriso enquanto caminho e relembro o último testemunho.

Não é fácil ser-se cupido. É necessário carregar nos ombros muito mais que as asas da sedução. A paixão é extenuante. Assistir dia sim, dia sim, à

catarse de almas escondidas do sentimento, quan-do apresentadas à casa dos seus sonhos... a fadiga assenta, e não há asas que resistam quando a arritmia é intensa e constante, nem o fator mitológico contorna a impressão.

É um prazer. É quase egoísta no seu altruísmo. Ver sorrisos rasgarem-se, olhos brilharem e refletirem o deleite por um chão de soalho de madeira corrido, ou as bocas semi-abertas, num ah mudo, pela luz que invade janelas de peito alto, como se um deus qualquer estivesse a abençoar um futuro casamento.

Continuo o meu caminho pelas ruas de uma Lisboa lavada pela chuva de inverno, no chão pequenas irregularidades na calçada revelam-se espelhos de fachadas divinas, tocadas pela alegria de viver, são homenagens a paixões que hoje procuro oferecer. Levanto o olhar na direção do horizonte e a experiência diz-me que o destino está perto, apenas uma esquina separa-me da verdade dos meus dias. Dobro-a e admiro uns metros à frente um casal ansioso, de batimentos acelerados pela expetativa, repito um sorriso. Chego-me a eles e pela primeira vez no meu percurso é reconhecida a minha existência, nesse momento percebo que o fado está pronto a ser cantado. Preparo men-talmente as setas do amor e afirmo: Bom dia, vamos arrendar com paixão..

Coisas De Cupidos | CRÓNICA