Curvilínea - 1ª Edição Revista Final | Page 21

vermos a mídia enaltecendo os corpos magros e definidos. O melhor exemplo que pode- mos dar para explicar como as características físicas têm mais relevância que as intelectuais ou qualquer outra é o caso da ex- -presidente Dilma Roussef. Ela foi chamada de “botijão de gás” pela roupa que vestia durante a sua posse, em 2015. Indepen- dentemente do que ela fez ou tenha dito naquela cerimônia, o seu biótipo foi o que chamou mais atenção da população e de certos veículos de mídia. Assim como Dilma, todas as mulheres são julgadas o tempo inteiro, porém nem sempre elas possuem apoio ou respaldo das autoridades. A professora de Di- reito da Universidade Federal de Mato Grosso, Thaísa Held, explica que mesmo sabendo que os casos ocorrem, a gordofobia ainda não é enquadrada como um crime. “Sabemos que o Di- reito nem sempre acompanha os anseios sociais, não havendo até o momento a normatização da gordofobia, embora saibamos que os casos ocorrem cotidiana- mente, seja em relações sociais, afetivas ou de trabalho.” Entretanto, segundo ela, é possível considerar que o orde- namento jurídico dá respaldo a quem sofre com esse tipo de preconceito: “por exemplo as ações judiciais indenizatórias por dano moral onde o adjetivo ‘gorda’ feriu a honra e a dignida- de de quem sofreu tal atribuição pejorativa”, explica a professora. Em 2012, um menino de apenas 12 anos se suicidou em Vitória, no Espírito Santo, por não suportar mais ser vítima de bullying na escola. As crianças cercaram o garoto e começaram a hostiliza-lo. Depois de três anos sofrendo com o preconcei- to, ele se enforcou com o cinto da mãe assim que chegou em casa. Mesmo com a carta que o menino deixou aos pais falan- do que ele não entendia porque sofria esses ataques e pedindo desculpas pelo ato, a polícia não confirmou se a motivação do suicídio foi mesmo bullying. Casos como esse vêm se tor- nando cada vez mais comum, principalmente na adolescên- cia. A youtuber Maíra Medei- ros ficou conhecida pela forma bem-humorada em que trata as diferenças de gêneros em seu canal, o “Nunca te pedi nada”. Para ela, a superação de tudo que sofreu na adolescência só veio quando aprendeu a aceitar e amar o seu corpo. Feminista e disposta a ajudar as pessoas a confiarem mais em si, a youtuber afirma que é preci- so parar de pensar que alguém é melhor ou pior por ser gordo ou magro. “Todo mundo diz que o bullying só acontece na infância e na adolescência, mas as pes- soas podem ser cruéis quando crescem. Tudo bem se o homem for gordo, o julgamento do corpo só acontece com a mulher”, de- sabafa a youtuber. Os casos são mais comuns do que podemos imaginar e isso pode acarretar em problemas psicológicos e sociais irreversí- veis. “Não cheguei a ter seque- las físicas, mas já tentei tirar a vida não foi uma ou duas vezes só. O meu emocional nunca foi estabilizado e meu psicológi- co só foi ficando mais abalado. Houve um tempo em que eu não saia de casa com medo do que eu poderia escutar e ver na rua. Foram meses isolada do mundo”, desabafa a estudante que não quis ser identificada. O anonimato se torna co- mum para essas pessoas que se sentem à margem da sociedade. Mesmo aprendendo a aceitar o seu corpo, a estudante conta que já sofreu muitos preconcei- tos e por isso não quer se expor mais. Como no Brasil não há lei específica para punir discrimi- nação por gordofobia, esse tipo de atitude pode ser enquadra- do como crime de injúria e vio- lência contra a mulher. A pro- fessora de Direito Thaísa Held explica que pelo artigo 140 do Código Penal, quem comete o crime de injuria tem a intenção de ofender a dignidade ou o de- coro. “Nesse sentido, a interpre- tação da lei penal pode incluir a gordofobia, pois a intenção de quem pratica é diminuir, ofen- der a dignidade de outrem”. Nesse mesmo sentido, pela Lei Maria da Penha, qualquer conduta que cause dano emo- cional e diminuição da auto- estima é considerada violência psicológica. A violência moral é entendida como qualquer con- duta que configure calunia, di- famação e injúria. Assim, a lei Maria da Penha reconhece a gordofobia como violência psi- cológica e moral. “Não deixe ninguém dizer que você não deve ou não pode fazer algo porque você é mu- lher ou porque seu corpo não se enquadra no que eles julgam perfeito. A gente precisa falar pra que possamos ser ouvidas”, constata a youtuber. 21