ARTE E CRÍTICA
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Além disso, o festival trouxe um expressivo número de filmes que recorrem a fatos ou personagens históricos para tentar entender o complexo momento atual. The Young Karl Marx, de Raoul Peck e exibido fora da competição, recorre à biografia do pensador do século XIX para lembrar que as grandes utopias falharam.
Viceroy’s House, de Gurinder Chadha, nos remete a 1947, quando a Inglaterra devolve a Índia ao governo local, depois de mais de 300 anos de colonização. Já os brasileiros Vazante, de Daniela Thomas, e Joaquim, de Marcelo Gomes, retornam ao Brasil colônia do século XVIII. E, ainda, o documentário No Intenso Agora, de João Moreira Salles, analisa os movimentos de Maio de 1968.
Este ano, houve uma presença recorde de produções brasileiras, somando doze obras distribuídas nas mostras Panorama, Curtas, Generation e Fórum. Pendular, de Julia Murat, recebeu o prêmio da crítica na Panorama, porém, a nossa participação não contou com qualquer outra premiação ou menção.
Entre as polêmicas deste ano estava o debate sobre as séries de televisão e se estas produções devem ou não fazer parte dos festivais de cinema. A obra sobressaliente e que entrou para a memória de muitos – e certamente para a história “berlinalesa” – foi a série da BBC sobre a Segunda Guerra Mundial, SS-GB, drama fictício que propõe um possível cenário mundial caso o Reino Unido tivesse perdido, na Segunda Guerra Mundial, a Batalha da Grã-Bretanha.
.Baseada na novela homônima do escritor Len Deighton, de 1978, a obra estabelece uma linha do tempo alternativa de 1941 e visualiza como seria a configuração global se o Reino Unido
tivesse sido ocupado pelos nazistas
Imaginando os primeiros meses depois da vitória e posterior ocupação alemã da Inglaterra, a série faz um ótimo trabalho na criação de uma atmosfera de mistério capaz de entreter qualquer espectador. O suspense aumenta ainda mais quando se decide aliar a perspectiva histórica com a já batida – porém eficaz – fórmula britânica de criar narrativas: um estranho assassinato precisa ser resolvido por um policial brilhante que, conforme avançam dias e fatos, torna-se alvo de dúvidas por conta de sua personalidade enigmática.
Com uma direção de arte incomum e uma sólida produção, o espectador se vê envolvido na trama tentando decifrar esse misterioso detetive da Scotland Yard, que poderia ser tanto um herói nacional como um traidor perpetrador do regime nazista.
Aos críticos, uma notícia decepcionante: longe de tornar-se um festival de mercado, a Berlinale chegou em 2017 com uma força política que há muito não se via. Não somente os números, mas também a seleção de obras que compuseram o programa, deixa uma mensagem clara: política e resistência não se constroem apenas com declarações. O silêncio fala, as imagens falam, as canções falam, as disposições dos elementos na tela falam. Resta aos espectadores saber aguçar os sentidos para conseguir decodificar os pequenos sinais através de uma variada gama de canais além das palavras.
Brasil na Berlinale