grupo, propriedade, território, nação, religião, cultura etc.) alicerça-se na ideia de retorno à proteção, pureza8, representatividade9 , ordem e hegemonia10. Um fanático vê estruturas homogêneas, nunca nuances; nega e aceita algo por completo, instituindo o “bem” e o “mal”, o “certo” e o “errado” como essências antagônicas em guerra; é incapaz de curiosidade e desprovido de humor; vê, enfim, no veemente controle normativo do outro a expressão máxima do seu altruísmo11.
Nessa perspectiva, deve-se perscrutar os contraditórios dos discursos extremistas, desconstruir seus efeitos de homogeneidade, atentar para seus silêncios, investigar seus imaginários, examinar suas técnicas de dominação e avaliar sua organização racional e emocional. Com isso, poder-se-á avançar na compreensão e desconstrução das práticas sociais de preconceito, de intolerância e de violência.
1Sobre essa perspectiva de linguagem e os conceitos de metáfora e metonímia, consultar Pêcheux (2009).
2Ancoro-me, aqui, na análise de Silva et al. (2014) das tradições dos principais grupos extremistas de direita brasileiros, na investigação comparativa de Löwy (2015) da extrema-direita brasileira e europeia, na avaliação de Dardot e Laval (2016) das ações do Estado e das corporações na conformação ético-moral das subjetividades na contemporaneidade neoliberal e nas quatorze características do que Eco (1995) denomina de Fascismo Eterno: (i) culto da tradição; (ii) rejeição ao modernismo; (iii) culto da ação pela ação; (iv) negação da crítica analítica; (v) medo da diferença; (vi) apelo à classe média frustrada; (vii) obsessão por uma trama conspiratória; (viii) sobrevalorização, a um só tempo, da força e da fraqueza do inimigo; (ix) sensação permanente de estado de guerra; (x) elitismo popular; (xi) culto à figura do herói; (xii) machismo; (xiii) populismo seletivo; (xiv) novilíngua.
3Para Charaudeau (2011, p. 99), a emoção do ódio está “vinculada a la representación de un objeto hacia el cual se dirige el sujeto o al que busca combatir”.
4Sobre a organização libidinal dos indivíduos nas massas e sua inserção no paradoxo liberdade/segurança, consultar Freud (2011).
5Consoante Charaudeau (2011, p. 98), o medo é o “signo de lo que puede sucederle al sujeto por el hecho de que él mismo sería capaz de reconocerlo como una ‘figura’, como un discurso socialmente codificado que […] le permitiría decir ‘¡Eso es justamente el miedo!’ o simplemente ‘¡Tengo miedo!’”.
6Em Morais e Figueiredo (2015), tratamos a violência como ato enunciativo ao examinarmos o que definimos como “assassinos-espetáculos”. Drawin (2013) distingue quatro tipos de violência, quais sejam: cruenta (“física”), simbólica, sistêmica e ontológica.
7Barros (2007) apresenta três características para os discursos intolerantes: são discursos de sanção; fundam-se nas emoções do medo e do ódio; organizam-se por um percurso temático da diferença.
8Remeto aqui, novamente, ao trabalho de Barros (2007).
9Sobre esse aspecto, consultar Rancière (2014).
11Sobre o conceito gramsciano de hegemonia, utilizo-me das contribuições de Hall (2003).
12Oz (2016) chega a essas conclusões na análise do fanatismo no conflito israelo-palestino.
REFERÊNCIAS
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CHARAUDEAU, P. Las emociones como efectos de discurso. Revista Versión, nº 26, junio 2011, p. 97118.
DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
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ECO, U. Ur-Fascism. The New York Review of Books, june 22, 1995, p. 1-9.
FREUD, S. Psicologia das massas e análise do Eu. In: FREUD, S. Obras completas (1920-1923). V. 15. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
HALL, S. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
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POLÍTICA E SOCIEDADE
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Argus Romero Abreu de Morais é pós-doutorando (PNPD/CAPES) no Programa de Pós-Graduação em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura da Universidade Federal de São João del-Rei.