(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 51

Norman Roland Madarasz Em determinados momentos, a arte da interpretação e a busca pela análise certa prejudicam a filosofia. Independente- mente da sua estruturação conceitual da história, a filosofia não pode se subtrair simplesmente à impressão factual. Se os fatos arriscam frequentemente afogar a filosofia em uma relativização historicista, sem as impressões factuais, aquelas que rompem com a semântica institucional e a sequência pragmática que lhe é especifica, a filosofia se ideologiza, deturpando-a de praticar o que sempre foi seu projeto: a criação radical por pensamentos. O objetivo deste ensaio é analisar os modos pelos quais repre- sentar filosoficamente o ano 1968. Apontado pela filosofia fran- cesa como inaugurando uma série de inflexões radicais, senão revoluções, em diversas áreas políticas e culturais, 1968 é melhor conhecido como um ano de “acontecimentos” (événements). Há pelo menos trinta anos que se comemora o “belo mês de maio” (le joli mois de mai) nacionalmente na França. Neste ano de 2018, as comemorações alcançaram dimensões planetárias que, mesmo se não se limitam ao maio francês, convergem com a percepção da singularidade do momento francês. Lembra-se que em Paris a onda de manifestações em maio de 68 chegou a seu cume com a fuga do então presidente, Charles de Gaulle, para a base militar francesa na República Federal da Alemanha (DFR) em um momento de colapso iminente do seu governo. A nossa proposta não é tanto reexaminar a macrohistória daquele momento quanto configurar um arcabouço histórico-conceitual que visa (i) descentralizar o foco do ano de 1968 no levante parisiense; (ii) oferecer algumas perspectivas históricas sobre a França anteriores a 1968, avultando o Golpe de Estado que trouxe o General de Gaulle à presidência em 1958; (iii) articular uma base conceitual para entender o impacto da tecnologia sobre fenômenos demográficos da época; (iv) distinguir 1968 dos movimentos pós-68 de liberação das mulheres e dos LGBTs, que se organizaram em grande medida contra o caráter patriar- cal e heteronormativo da liderança do levante; para então (v) frisar que comemorar maio-junho de 1968 equivale a celebrar 50