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Maio 2018 | Cidade Nova | 33
Mas trata-se de uma equação complexa , que coloca os missionários em fogo cruzado , literalmente . No hospital mantido por eles no vilarejo da região anglófona , o fato de atenderem feridos de todas as partes envolvidas no conflito não raro gera suspeitas de favorecimento a um grupo ou outro .
RAÍZES DO CONFLITO As raízes da disputa de poder entre francófonos e anglófonos em Camarões remontam ao passado neocolonial . Na década de 1880 , quando as grandes potências europeias fizeram uma partilha do território de todo o continente africano , a área onde se localiza hoje o país – próximo à linha do Equador , na região oeste , banhada pelo Atlântico – ficou sob domínio da Alemanha .
No entanto , com a derrota germânica na Primeira Guerra Mundial , o país foi dividido entre os ingleses , que ficaram com 1 / 5 do território , uma faixa entre as regiões noroeste e sudoeste , e os franceses , que ficaram com os 4 / 5 restantes . A junção das duas partes ocorreu em 1961 , um ano depois da independência do lado francófono , num processo bastante controverso conduzido pela Organização das Nações Unidas . Segundo um memorando produzido por um grupo de bispos católicos que atuam na região anglófona , a que a reportagem teve acesso , manobras políticas foram realizadas já naquele contexto para evitar que fossem constituídos dois países independentes . Assim nasceu a República Federal dos Camarões , com capital em Yaoundé , na região francófona .
A ideia era que o sistema federativo garantisse certa autonomia às duas regiões , mas não foi o que ocorreu , como demonstra a mudança de nome do país para República Unida dos Camarões em 1972 , por meio da realização de um referendo . Em 1984 , uma nova alteração foi feita por decreto presidencial e o país passou a se chamar República dos Camarões . A ausência da palavra “ unida ” não foi recebida como mero detalhe pelos anglófonos : simbolizava o abandono da ideia de um Estado composto por duas nações .
“ É aqui que os historiadores encontram um problema , porque afirmam que a mudança remeteu ao nome original da região francófona , acabando com a identidade anglófona do país ”, afirma dom Andrew Nkea , bispo da diocese de
Mamfe e signatário do memorando . O documento foi enviado ao presidente Paul Biya , um francófono que está há 35 anos no poder , para evidenciar as causas dos atuais conflitos e reivindicar uma maior justiça na distribuição do poder .
Para o historiador camaronês Nicodemos Fru Awson , professor da Universidade de Swazilândia ( sul do continente africano ), desde então , a situação pode ser definida como “ imperialismo negro ”: “ A tendência dos regimes francófonos hegemônicos tem sido em grande parte excluir os anglófonos do governo e restringi-los a papéis nominais . Todas as instituições do Estado são de origem francesa ; tentativas sistemáticas são feitas pelo governo para apagar o distinto patrimônio cultural anglo-saxão herdado do colonialismo . A tentativa de assimilação da minoria anglófona é executada com incomparável arrogância , provocação e violência ”.
“ Ao mesmo tempo ”, prossegue o historiador , “ a seção anglófona dos Camarões contribui com 60 % do PIB do qual eles são excluídos . Por razões exclusivamente econômicas , o regime francófono hegemônico resiste à separação , porque prejudicaria o interesse econômico da França na África Central ”. Cidade Nova entrou em contato com especialistas da região francófona para que comentassem a questão de sua perspectiva , mas não obteve respostas até o fechamento desta edição .
ESTOPIM O estopim dos atuais conflitos foi uma greve promovida em novembro de 2016 por advogados e professores anglófonos , em protesto contra a imposição do sistema jurídico e do idioma franceses em tribunais e escolas da região . O presidente reagiu com mão de ferro : limitou a liberdade de imprensa , cortou o acesso à Internet nas regiões anglófonas , mandou prender líderes políticos locais e ordenou a dispersão dos protestos pelas forças de segurança .
“ No dia 8 de dezembro de 2016 , a polícia disparou gás lacrimogêneo e munição viva para dispersar uma manifestação em Bamenda , matando pelo menos dois manifestantes desarmados ”, afirma relatório da Anistia Internacional .
Em 1 o de outubro do ano passado , os separatistas reiteraram simbolicamente a independência da Ambazônia , um novo Estado criado em c

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