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Abril 2018 | Cidade Nova | 33
abrigo ao seu pai , que está doente e tem dificuldade de obter medicamentos na Venezuela , lamenta Francia . “ Mas um dia poderemos dizer : olha tudo o que conquistamos e agradecer a cada pessoa que nos deu um copo d ’ água , um abraço ou um sorriso ”, diz esperançosa .
Apesar das dificuldades , Francia devolve a ajuda que recebeu aos novos imigrantes que chegam em número crescente na cidade . “ Quando víamos um venezuelano na praça , o que era raro , nos aproximávamos para saber há quanto tempo estava aqui e como havia chegado ”, conta . Dois anos depois , são mais de mil dormindo nas praças no centro da cidade , que viu sua pequena população de 330 mil habitantes crescer 10 % com a chegada dos cerca de 40 mil venezuelanos – mais de 18 mil somente nos primeiros 45 dias de 2018 .
Eles chegam com poucas malas e sem ter onde morar – mas com a esperança de encontrar uma situação melhor do que a de seu país , palco de grave crise política , econômica e social . Para além da dificuldade de começar do zero em um país desconhecido , com uma língua diferente e atos xenófobos por parte da população , eles encontram acolhimento e ajuda no Brasil .
Francia é prova viva : “ Ajudamos por saber o quanto é difícil sair do próprio país . Como já falamos português , atuamos como tradutores , auxiliando os venezuelanos a entenderem o passo a passo para conseguir vaga nos refúgios , tirar CPF , carteira de trabalho e fazer currículo ”.
Conheça ações solidárias que vão da distribuição de refeições à alimentação da alma em uma corrente do bem aos imigrantes venezuelanos em Roraima .
COMIDA Em companhia de amigos , a advogada e funcionária pública Ana Luciola Franco , 56 anos , prepara refeições a serem distribuídas nas praças ocupadas pelos imigrantes . “ Começamos oferecendo de 150 a 300 sopas . Hoje , servimos mil refeições às terças , quintas e , às vezes , aos domingos . É muito trabalhoso . Já chegamos a fazer 1.200 pratos ”, contabiliza .
Ana faz metade das refeições em sua casa , onde mora com sua companheira e abriga uma venezuelana e seus quatro filhos . “ Eu trabalho com ações humanitárias desde a juventude .
Para mim , é um processo natural . Minha casa sempre tem pessoas em situação de risco que tento ajudar .”
A outra metade das refeições é feita na casa de uma amiga . “ No nosso grupo tem médico , empresária , arquiteto , comerciante … é uma rede solidária . A gente faz eventos para arrecadar fundos , tem vaquinha on-line , recebe doações … Se vira para ajudar de um jeito bem brasileiro mesmo ”, define .
Ela conta que algumas pessoas torcem para chegar o dia da distribuição , já que aprendem muito na ação . “ A história dos imigrantes é muito dura . A grande maioria dos jovens é universitária e abandonou tudo . Quem distribui alimento percebe como seus próprios problemas são pequenos perto dos deles .”
CURRÍCULOS Dos venezuelanos não indígenas que migraram ao Brasil , 78 % têm ensino médio completo e 32 % terminaram o ensino superior ou uma pós-graduação , segundo pesquisa promovida no ano passado pelo Conselho Nacional de Imigração ( CNIg ), órgão vinculado ao Ministério do Trabalho , com apoio do Acnur ( Alto Comissariado das Nações Unidas Para os Refugiados ).
Para ajudar os imigrantes na inserção no mercado de trabalho , um grupo de dez alunos da Universidade Federal de Roraima ( UFRR ) vai à praça Capitão Clóvis , em Boa Vista , durante a noite , para escrever currículos ou traduzi-los para o português . Eles recebem doações e tiram do próprio bolso para imprimir e copiar os documentos . A estimativa é de que 90 pessoas foram atendidas . “ Estamos convivendo todos os dias com pessoas passando necessidade e percebemos os movimentos em busca de ajuda para se alimentar , mas também busca por emprego ”, conta Barbara Harianna Brito , 21 anos , estudante de História da UFRR .
Enquanto fazem os currículos , os voluntários aprendem com os imigrantes e acabam conhecendo mais sobre sua história . “ Percebemos que as pessoas que estão vivendo ali vieram principalmente cidades petroleiras . Como só falamos ‘ portunhol ’, temos dificuldade ao tentar traduzir algumas profissões mais técnicas do ramo petroleiro .” c

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