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Março 2018 | Cidade Nova | 29
Solução de Conflito e Cidadania da Comarca de Ponta Grossa e membro da Comissão de Práticas Restaurativas do TJPR .
Para dar uma ideia do que isso significa , Gomes cita o caso de um casal em litígio que tinha mais de uma dezena de processos simultâneos , tramitando em varas diferentes : “ A mesma relação conflituosa tinha gerado vários processos , em razão dessa divisão administrativa que é necessária para a melhor gestão do conflito dentro do âmbito do poder judiciário . Mas para as partes envolvidas isso não é interessante , porque o que elas querem é resolver o problema . Elas não querem saber em que vara está . E a justiça restaurativa proporciona essa resolução integral do conflito . Então esse casal resolveu esses 12 processos por meio da justiça restaurativa ”.
Para os casos de adolescentes em conflito com a lei , existem práticas restaurativas que nem sempre envolvem o encontro entre vítima e ofensor , mas que trabalham com a reflexão sobre os danos causados , além de oficinas de filosofia . Segundo a juíza , enquanto o índice de reincidência de menores em conflito com a lei é de 52 % no Paraná e de 57 % no Brasil , em Ponta Grossa ele não passa de 7 %.
Recentemente , a comarca teve uma experiência bem-sucedida com os envolvidos em um crime mais grave : tentativa de homicídio . “ O ofensor já está há algum tempo na prisão e se mostrou muito aberto a participar . A vítima também . No processo tradicional , a vítima não tem resposta , ela é utilizada como um objeto de prova . Ela senta na frente do juiz e ele pergunta como foi . Quando ela começa a contar que não consegue mais dormir , que não se sente mais segura etc ., o juiz e o promotor dizem : ‘ olha , isso não me interessa . O que me interessa é saber se ele colocou a arma na sua barriga ou na sua cabeça . É isso que interessa para o processo ’. O dano que o conflito causou na vítima não interessa para o processo , então o juiz e o promotor não querem saber . É diferente na justiça restaurativa , que se preocupa com as necessidades da vítima , com o mal que o dano causou a ela . Então a vítima muitas vezes só quer uma resposta : por que com ela , por que na casa dela ? Se a pessoa for solta ela vai voltar à minha casa ? Por que ela me escolheu ? E muitas vezes ela ouve do ofensor : ‘ Não , nem me lembro onde você mora , eu estava drogado , vi a janela aberta e entrei ’. Muitas vezes a resposta traz conforto para a vítima . É isso que a justiça restaurativa proporciona : essa conversa , esse entendimento , esse atendimento das necessidades da vítima e do ofensor [ que tem a oportunidade de se transformar na medida em que se responsabiliza pelo que fez ]”, explica Gomes .
RESTAURATIVA X RETRIBUTIVA Segundo a juíza , a legislação brasileira não permite que os acordos alcançados por meio da Justiça Restaurativa substituam os processos e decisões tramitados pelas vias tradicionais , ou seja , pela Justiça Retributiva , vigente em todo o país . Se , por um lado , isso ajuda a preservar a “ pureza ” da prática ( evitando que um ofensor participe por interesse , apenas para conseguir reduzir a própria pena , por exemplo ), por outro , essa limitação legal pode ter efeitos colaterais negativos , como a posterior condenação à prisão de um ex­ -marido ou pai de família que já havia chegado a um consenso pacífico com a ex-mulher .
“ Claro , há casos em que é necessária a intervenção da Justiça tradicional . Mas em muitos casos , quando há relação continuada , como é o caso da violência doméstica e da vara de família , a gente tem visto que os resultados são muito mais efetivos que uma decisão judicial ”, pondera Gomes . Por isso , para ela , embora não se deva pregar um “ abolicionismo penal ”, é necessário caminhar gradativamente no sentido de utilizar a justiça restaurativa em alguns casos como mecanismo de diminuição da pena ou até exclusão do processo , desde que haja “ efetiva responsabilização e efetiva resolução do conflito ”, em um processo feito com muito cuidado .
“ Chegou o momento em que nós estamos vendo que o Estado não tem mais condições de resolver todos os conflitos privados . O número de ações é impressionante , seja criminal , seja cível . A Justiça Restaurativa nada mais é do que proporcionar conversas , do que proporcionar o entendimento entre as pessoas . As pessoas perderam a capacidade de conversar e a Justiça Restaurativa quer devolver isso , devolver a capacidade que as pessoas têm de resolver seus próprios conflitos . A gente quer que vítima e ofensor sejam protagonistas de sua própria história ”, conclui .

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