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Mollis minima leo pariatur facilisis

relatos de violência, doenças e fome, a fome que, logo de início, é definida como a escravidão dos tempos modernos. Mas também é cheio de suas reflexões sobre o Brasil e a vida da mulher negra.

No Brasil, o relato literário recebeu críticas e comentários de escritores e intelectuais como Sérgio Milliet, Rachel de Queiroz e Manuel Bandeira. No exterior, Carolina foi recebida com entusiasmo por Pablo Neruda e Octavio Paz.

Carolina, ao contrário do que se pensa, não nasceu intelectualmente em 1960, com a publicação de seu livro. Assim, a biografia revela textos e matérias de jornais em que Carolina de Jesus já aparecia em 1940: “Ela fazia uma ronda pelas redações e rádios, apresentava-se como 'Carolina Maria, a poetisa negra', e ia oferecendo seus textos para publicação. Muitas vezes, era olhada de forma enviesada, tratada com desdém, mas teve alguns sucessos. E, quando não teve sua produção publicada, acabou virando, algumas vezes, pauta dos jornalistas”.

Com o lançamento de Quarto de Despejo, em 1960, a recepção calorosa do livro veio acompanhada também de alguns narizes tortos, que, ao longo do tempo, foram minando a projeção de Carolina. Ela passou a ser conhecida como língua de fogo, defendia em entrevistas a reforma agrária, fazia elogios à revolução cubana e, praticamente sem estudos formais, despertou inveja.

Além de o Quarto de Despejo, os livros subsequentes Casa de Alvenaria (1961) e Pedaços de Fome e Provérbios (1963) continuaram a retratar a nova fase, agora morando em um bairro de classe média de Santana, e posteriormente isolando-se em uma chácara na região de Parelheiros extremo sul de São Paulo.

A história de Carolina, para além de seu sucesso, é mesmo um resumo da desigualdade brasileira. Hoje seria considerado que ela teve sorte na vida.

Nascida em Sacramento, no estado de Minas Gerais, em 1914, num local que ainda recendia (e de fato vivia) a lógica da escravidão, Carolina Maria de Jesus sempre se enxergou como uma criadora e perseguiu essa imagem. Sem nunca esquecer que seu livro mais famoso foi dos maiores best-sellers do Brasil e hoje circula por 46 países, em 16 idiomas, tem três edições em Cuba, quatro no Japão, despertou um projeto de filme nos Estados Unidos – abortado quando a autora morreu – sendo um testemunho literário exato da vida de uma mulher negra.

Graças às letras, o vocabulário peculiar e único, Carolina deu voz para as pessoas que moram em periferias. Hoje, as redes sociais, a internet contribuiu para a democratização para o acesso a informação, só que nem sempre foi assim. Sem o esforço da autora isso não seria possível.

É imprescindível que a riqueza de informações nua e crua de uma periferia (hoje constantemente chamada de “comunidade”) nem sempre esteve ao alcance de todos, era distante dos olhos dos governantes e da sociedade elitizada, que muitas vezes não queriam enxergar, fingindo que nada ali tinha. Foi necessário que uma moradora, uma mulher negra, pobre elevasse o “tom” para que finalmente algo pudesse acontecer. O que antes parecia um verdadeiro depósito de pessoas, um amontoado de desejos sem esperança, a autora conseguiu trazer este debate a tona.

Mesmo depois de anos de lançado, pela fase de ostracismo, sendo vista apenas como um mero objeto de artigo de consumo, no qual as pessoas só queriam ver e conhecer, seu papel de disseminação de informação ajudou a moldar e a conhecer a fundo o interior das favelas. Foi possível olhar para as pessoas e enxergar que ali residem desejos e eles só precisam e querem ser vistos.

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