Catálogo Cine FAP Western | Page 17

Trechos de: “Sam Fuller: Nos Passos de Marlowe”, por Luc Moullet. Íntegra: http://focorevistadecinema.com.br/FOCO1/moullet-marlowe.htm Os jovens cineastas americanos não tem nada a dizer, e Sam Fuller menos que os outros. Há algo a ser feito e ele o faz, naturalmente, sem se forçar. Esse não é um pequeno elogio: detestamos os filósofos fracassados, que fazem cinema apesar do cinema, que reproduzem descobertas de outras artes, aqueles que querem exprimir um tema digno de interesse por meio de um certo estilo artístico. Se você tem alguma coisa a dizer, diga-a, escreva- a, pregue-a se quiser, mas nos deixe em paz. Filmar é fácil para ele. O que mais nos importa aqui é que este animal Fuller tenha livremente perambulado pelo Arizona por cerca de longas cinco semanas – uma de suas filmagens mais longas! – com um orçamento de quatrocentos milhões – Deus sabe o que ele pode ter feito com isso! – e para nos oferecer o quê? Cento e cinquenta planos, que na projeção darão duzentos, encadeados por fusões impossíveis. E que planos! Seu estilo já não possui nada de ordinário (salvo no seu primeiro ensaio, desajeitadamente clássico): é um belo estilo de um bruto! Nele, o plano americano, figura perfeita do classicismo, ou é raro ou medíocre. Quando se interessa por vários personagens ou objetos, planos gerais; se é por um dois, closes. Fuller é o poeta do close, que, por seu caráter elíptico, é sempre rico em surpresas (a abertura de Capacete) e que dá um relevo insólito a rostos ou fiapos de grama, objetos habituados pelo cinema comercial e pouca reverência. Mas aqui ele se esforça ainda menos: fala-se – muito, ou age-se – muito; quando alguém diz algo de interessante, ele não está interessado em artifícios de interpretação, ou em multiplicar os ângulos para desteatralizar a cena. Clark tenta colocar O’Meara no bom caminho. Longo discurso. Contracampo? Ainda espero por este. Durante no mínimo quatro ou cinco minutos, assistimos aos dois, sentados imóveis um ao lado do outro, dando adeus ao A.B.C. Idhecal (regras ditadas pelo Instituto de Altos Estudos Cinematográficos, comumente designado IDHEC.) Essa desenvoltura irrita, mas quantas riquezas surgem dali! É errado dizer que Fuller é inspirado, uma vez que isso pressuporia a possibilidade de que Fuller não fosse inspirado, quando na realidade filma ativamente. Instintivo, cineasta-nato, filmar é fácil para ele; basta-lhe permanecer idêntico a si mesmo a cada instante – o que poderíamos dizer a propósito de um Ray menos como Quem Matou Jesse James?. Seus esboços são insólitos, e mais fortes e reveladores que uma sólida construção. Ele pode se permitir a mistura de estilos: há de tudo em Fuller, um mundo neste deserto vivo, com seus bosques de árvores esféricas, até o delírio de O’Meara, perdido na fumaça, destas traquinicies plásticas à la Einsenstein à composição rigorosa e fordiana dos planos mais gerais do ataque ao forte. Descobriríamos também Fritz Lang em Casa de Bambu, na organização geométrica da cena do assalto ou naquela partida de bilhar, ou ainda em Anjo do Mal (a morte de Moe). De quê importa! Por uma espécie de homogeneidade poética, tudo isto permanece sempre Fuller, com sua força do instantâneo e do inacabado.