Crítica de uma frequentadora do cineclube sobre “A um Passo do Abismo”.
Vera Lúcia de Oliveira e Silva
Ontem eu vi um filme no Cine FAP que, depois de uma noite de sono, continua
me assombrando.
Como disse ontem, no debate que se seguiu do filme, se eu o tomo na sua materialidade
factual, eu entro em pânico. Para me defender do mal estar, saio em busca da metáfora,
quase sempre tranquilizadora.
Digo quase porque, ao olhar por baixo do pano, buscando o quê de tão familiar
e sinistro aquela rebelião de jovens contra o Outro evoca, o encontro com o Real não é muito
confortável.
O que eu encontro?
Encontro que nós, os inscritos no rol dos humanos, conhecemos aquele
conflito, saibamos disso ou não: Eros x Tânatos, luta de titãs, diz Freud.
Aí, nesse reconhecimento, nem sempre consciente, mora a perenidade desse filme.
Tânatos é um dos nomes freudianos para a pulsão da morte que nos habita.
Pulsão que, na sua face conservadora, perpetua o morto; na sua face agressiva, destrói sem
remissão; mas que, na sua face criadora, quebra o velho para dar lugar ao novo.
No filme, o velho é o impasse, o beco sem saída em que todos acabaram
metidos em nome de valores...-vá lá-...capitalistas (odeio a palavra porque ela não diz nada e
assume pose de ter dito tudo). Aqui a pulsão da morte está do lado da conservação e
perpetuação de tais valores: que nada mude! Que fique tudo sempre igual!
Os jovens lutam pela vida e, portanto, encarnam Eros. Mas Tânatos, em sua
versão de pura fúria e agressividade, mescla-se com Eros para produzir o terror.
Tem alguma outra saída?
Não sei. Mas prefiro a alternativa trilhada, por exemplo, pelos impressionistas:
incendiaram o cenário cultural de Paris. O incêndio se alastrou pelo mundo e sua chama
ainda aquece a alma humana e não dá sinais de se extinguir. Se me é permitido, já não digo
escolher, mas, simplesmente, preferir prefiro a saída impressionista: Tânatos, em sua face
criadora, rompendo o velho para dar lugar ao novo, ao inédito, ao maravilhoso.
É questão de gosto?
Acho que não: é questão de eficácia. Por que se contentar com tão pouco,
como quebrar maçanetas da escola ou incendiar automóveis? Se é para transgredir; não se
deve deixar barato: que tal mudar o mundo?
A gurizada libertária de Nova Granada vai para a cadeia (pelo jeito, alegres, não
sabemos, já que o não civiliza e apazigua). O Impressionismo permanece tão libertador para
todos nós quanto o foi para os próprios impressionistas.
Nova Granada, com certeza, retomou seu destino: uma nova cidade para um
velho modo de viver. O mundo nunca mais foi o mesmo depois dos impressionistas.
Libertário não quer dizer libertador.