Trechos de: “Robert Mulligan: Evocação e Sentimento”, por André Setaro.
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http://setarosblog.blogspot.com.br/2008/12/robert-mulligan-evocao-e-
sentimento.html
Realizador evocativo, cultor das memórias de tempos idos em alguns filmes,
dotado de pleno domínio formal de seu meio de expressão, Robert Mulligan (1925/2008) foi-
se embora neste mês de dezembro. O que resta, findo Mulligan, da tradição do heróico
cinema americano, o cinema do grande segredo na expressão feliz de François Truffaut?
Apesar de não ter alcançado a glória de seus ilustres colegas (Billy Wilder, Hitchcock, George
Stevens, Cukor...), poder-se-ia considerá-lo um cineasta bem acima da média e que não foi
devidamente valorizado, fora alguns filmes ocasionais mais louvados por outros motivos que
pela mise-en-scène (como são os casos de O sol é para todos, que deu o O scar a Gregory
Peck, e Houve uma vez um verão).
[..]E vem Houve uma vez um verão (Summer of ’42, 1971), obra delicada e feita
com sensibilidade sobre a iniciação sexual de um adolescente (Gary Grimes) que, num verão
de 1942, quando os Estados Unidos entram em guerra, seduz a esposa (Jennifer O’Neil,
carioca de nascimento, que Howard Hawks, por causa deste filme, aproveitaria em seu
derradeiro western, Rio Lobo, ao lado de John Wayne) de um oficial que está ausente
envolvido no conflito bélico de então. Mulligan conduz o relato com extrema finesse e o filme
é uma mostra da vacuidade de certas mulheres que, deixadas sozinhas por circunstâncias
alheias à sua vontade, ficam ao relento do desejo e das paixões. Há um tom evocativo que o
cineasta repete com plena consciência de suas possibilidades poéticas, principalmente
quando a partitura é de um maestro como Michel Legrand. E a fotografia de Robert Surtees é
um assombro.
[..]Encerra-se esta breve homenagem a Robert Mulligan com as palavras de
Carlos Reichenbach, que fecha com chave de ouro a trajetória desse importante realizador,
destacando, o Comodoro, a beleza de um filme como The nickel ride.
“É curioso notar que outros cineastas da mesma geração, como Robert Mulligan, por
exemplo, que não foram tão incensados pela crítica no começo, acabaram realizando uma
obra menos pretensiosa e muito mais coerente. No caso de Mulligan, o sucesso popular e o
prestígio em Hollywood, só veio a acontecer no meio da carreira, com Houve uma vez no
verão (Summer Of 42) e A inocente face do terror (The other), ambos de 72, embora ele já
tivesse realizado filmes mais notáveis como Fear strikes out (Vencendo o medo - 57), To kill a
mockingbird (O Sol é para todos - 63), Baby, the rain must fall (título deslumbrante,
burramente "traduzido" como O gênio do mal - 64), Inside daisy clover (À Procura de um
destino - 66), Up the down staircase (Subindo por onde se desce - 67) e The pursuit of
happiness (uma ode radical ao inconformismo, lançada no Brasil com o título de O caminho
da felicidade - 70). É verdade que, após o sucesso com os dois filmes citados acima e o fim de
sua parceria com o produtor Alan Pakula - que também se tornou diretor de cinema, mas
num estilo mais cool e menos arrojado que Mulligan - sua obra caiu em desgraça. Embora
tenha produzido e dirigido o filme mais anticomercial de Hollywood, The nickel ride (Jogos de
azar - 74) - um drama chumbo grosso e depressivo sobre viciados em jogo, fotografado
inteiramente com iluminação vertical onde mal se vê os olhos do atores - encerrou a carreira
com uma péssima adaptação ianque de Dona Flor E Seus Dois Maridos e o chorumela Clara´s
heart."