Catálogo Cine FAP Segundo Semestre de 2018 | Page 18
Texto: “A Ascensão, de Larisa Shepitko”, por Giovani Alex.
O impacto do filme de Larisa Shepitko já não é coisa que se obtém hoje em
dia da forma como ela o fez. Enquanto grande parte dos filmes da atualidade, que retratam
mazelas de guerra, só conseguem se ocupar do tema aliados à orçamentos astronômicos e
ambições galácticas, a diretora russa – como muitos dos seus conterrâneos – o fez
utilizando-se apenas do esforço de sua equipe e de idéias simples e diretas. O produto final
desta equação é bem diverso daquele obtido com todo o conforto e apoio de um bom
punhado de cifras: seu realismo não é obra de um detalhismo gráfico, quase perverso no
modo como expõem mutilações e carnificinas, neste longa ele é obtido pela crueza da
situação, pela utilização dos mecanismos mais naturais e pela sujeição dos atores e das
filmagem à eles; a sua força não vem de um clímax pomposo, cuja redenção ou superação
é uma dúvida ilusória e a punição aos malfeitores certa, mas do seu caráter hiper-realista,
que não se propõe em momento algum a ter pena do público nem de seus protagonistas,
jogando ambos a mercê de um destino onde a esperança não (sobre)vive. Ainda assim,
mesmo dispondo de não muitos recursos e lidando com um argumento simples, a diretora
consegue trabalhar com a estética – compondo sequências poéticas, de beleza plástica e
teor emocional intensos como se observa nos momentos de agonia sublimada de Sotnikov
ou na estupefação dos personagens, refletindo sobre a miséria de suas vidas e a
infelicidade de seus destinos, frente a vastidão branca do inverno russo que trafega ao seu
redor – e explorar a fundo a complexidade do comportamento humano diante de situações
limite, revelando através de seus erros, de seus atos, de seus receios e medos, o perdão, a
redenção e o terror da morte, esta última capaz de desvendar, ao mesmo tempo, a bravura
de alguns em enfrentá-la com honradez e a submissão humilhante de outros, que jogam
na neve ideais que defendiam tão prontamente para evitá-la a todo custo. A sequência final
tem a pungência extrema do melhor cinema russo: dentro de um quartel nazista e diante
de um portão esperançosamente aberto, um homem percebe que mesmo que conseguisse
passar por ele, seu caminho seria marcado por uma prisão existencial cujas paredes seriam
formadas pela traição e pela negação de seus ideais e de sua própria identidade – apesar
de ter ficado com sua vida, ele estava só, e a liberdade, ela jamais seria possível.