Catálogo Cine FAP Segundo Semestre de 2018 | 页面 12

Trechos de: “Akasen Chitai (1956) de Kenji Mizoguchi”, por Helena Ferreira. Íntegra: http://www.apaladewalsh.com/2014/04/akasen-chitai-1956-de-kenji- mizoguchi/ As mulheres estão no centro do cinema de Kenji Mizoguchi. Desde as suas obras nos tempos do mudo até ao seu derradeiro filme, este Akasen chitai, as agruras da experiência feminina no Japão foram uma constante preocupação do cinema do mestre japonês. Figuras de prostitutas e gueixas tiveram um lugar especial entre as suas personagens e o mundo nocturno, confinado e sombrio onde decorre Akasen chitai não é de todo uma atmosfera nova para Mizoguchi (ou outros cineastas japoneses seus contemporâneos). No entanto, Akasen chitai é também um olhar novo (moderno?), um olhar para o momento presente com uma urgência desesperada que se afasta um pouco das evocações histórico-imaginárias de outros filmes-chave de Mizoguchi. O filme foi feito enquanto se discutia na Dieta Nacional (o parlamento japonês) uma lei anti-prostituição (seria aprovada pouco depois da estreia do filme) – discussão política que ecoa no filme e enquadra a sua actualidade – e Mizoguchi quis, sem sucesso, filmá-lo on location nos bordéis de Yoshiwara (zona associada à prostituição legal em Tóquio desde o período Edo). Mas mesmo filmado em estúdio, e mesmo nuns (aparentemente) escassos 85 minutos, é notável como Mizoguchi recria a rotina diária das mulheres em que se centra o filme, a sensação de repetição – por vezes mesmo de prisão (veja-se a limitação dos cenários) – que as suas existências levam. E como através de uma série de elementos, do guarda-roupa à banda sonora (sons electrónicos convivem com cantigas tradicionais), é explorada a complexa convivência de continuidades e rupturas. [...]Todavia, Akasen chitai não é essencialmente um filme-denúncia dos horrores do mundo da prostituição. Expõe as suas ligações à pobreza, mostra as diferentes formas de exploração feminina que ele encerra e mostra o seu estigma social – a ser debatido o seu fim legal no parlamento e com a vergonha corporizada no filho de Yumeko. Mostra também a dualidade dos donos do bordel, que se vêem como ‚agentes sociais‛ que mantêm as raparigas longe da miséria das ruas e como continuadores de uma tradição de cortesãs que eram tratadas como ‚nobreza‛, mas que, ao mesmo tempo, lucram com a venda dos seus corpos ditada pelas duras condições de vida e controlam os seus salários. Mas Mizoguchi mostra como tudo é mais complexo do que pode parecer. A opressão feminina não existe apenas na prostituição e, por vezes, pode quase parecer mais forte fora dela. Para Mickey a sua profissão é sinónimo de independência do pai rico que mascara uma vida de excessos hedonistas com uma imagem pública sem mácula que é mais falsa que a sua. Hanae sustenta a família com o seu trabalho e aguenta o seu destino sem pensar em desistir. Yorie percebe que ao menos como prostituta ganha o seu próprio salário e não é serva de um marido que a quer a trabalhar de borla para ele. Yumeko emerge como uma sacrificial figura materna, que enlouquece quando perde o filho. Até Yasumi, que impiedosamente esmifra clientes e colegas, emerge como uma peculiar self-made woman . Mizoguchi não nega agência às suas mulheres. Estas podem estar condenadas pela sociedade injusta em que vivem mas todas lutam por criar um lugar, para si e/ou para os seus, que seja de vida e não de morte. Uma vida melhor.