Catálogo Cine FAP Segundo Semestre de 2017 | Page 16
Texto: “Os Nossos Verdes Anos”, de Paulo Cunha.
Em: http://portopostdoc.com/home/noticias/view?id=25
“Era o amor / que chegava e partia: / estarmos os dois / era um calor / que arrefecia / sem
antes nem depois… / Era um segredo / sem ninguém para ouvir: / eram enganos / e era um
medo, / a morte a rir / nos nossos verdes anos...”
Os Verdes Anos é assumidamente um filme inovador no contexto português,
procurando trazer para Portugal o melhor da revolução cinematográfica e cinéfila que então
despontava na Europa das novas vagas. Chegado de Paris, onde estudara cinema durante
alguns anos, Paulo Rocha trabalhava no argumento do que eventualmente seria o primeiro
filme realizado por António da Cunha Telles, madeirense companheiro da aventura parisiense.
A leitura de uma vulgar notícia publicada no jornal sobre um crime de faca e alguidar – um
jovem sapateiro que assassinou a namorada perto do local onde vivia – despertou a sua
atenção e estaria na origem d’Os Verdes Anos. Mas Paulo Rocha não queria contar essa ou
outra história dramática sobre as circunstâncias do crime, queria sobretudo partir daí para
reflectir sobre as angústias e as frustrações de um país em plena ditadura.
A forma subjectiva como Paulo Rocha “conta” a sua história, a desvalorização do
argumento em favor da mise-en-scène, a falta de diálogos verbais, os enquadramentos e a
mobilidade da câmara, o sentido abstrato da guitarra de Carlos Paredes e do poema de Pedro
Tamen parcialmente transcrito acima, colocavam Os Verdes Anos na linhagem europeia do
cinema moderno que então despontava. Paulo Rocha explora as diversas camadas textuais
para compor um filme que não quer expor ou impor uma leitura, mas potenciar as imensas
leituras possíveis a cada espectador. A belíssima sequência do baile, em que os protagonistas
dançam e dialogam em torno e com o poema de Pedro Tamen, e a sequência final, o crime
propriamente dito e a “fuga” de Júlio, são exemplares de como uma narrativa com pontas soltas
pretende convocar a liberdade crítica do espectador, tal como fazia o cinema moderno que
inundava o cinema europeu.
Mesmo que isso não fosse o que mais interessava a Paulo Rocha, Os Verdes
Anos também documenta uma transformação na sociedade portuguesa, que reclamava uma
ruptura com o Portugal fechado e conformista dos pátios das cantigas e das aldeias da roupa
branca. O país vivia uma transição conflituosa de um paradigma ruralista e nacionalista para
um cosmopolitismo urbano, que o complexo drama individual de Júlio tão bem sugere.
Com o passar dos anos, Os Verdes Anos tornar-se-ia uma das obras mais
referenciais da história do cinema português, inaugurando uma genealogia estética em que se
inscreveriam imensos realizadores de gerações diferentes. São inúmeros os exemplos de outras
obras posteriores que citam passagens ou elementos do filme de Paulo Rocha,
nomeadamente O Sangue (Pedro Costa, 1989), Três Irmãos (Teresa Villaverde, 1995), Corte de
Cabelo (Joaquim Sapinho, 1995), Xavier(Manuel Mozos, 2002) ou Arena (João Salaviza, 2009).
Raquel Freire, uma discípula assumida, dirá mesmo que “todos os filmes [da história do
cinema português] pós-Paulo Rocha são uma repetição d’Os Verdes Anos”. Neste aspecto, Os
Verdes Anos é ainda um filme sem par na história do cinema português.