Catálogo Cine FAP Segundo Semestre de 2016 | Page 6

Texto:“ Whit Stillman, um realizador fora de época”, por Francisco Valente. Em: https:// www. publico. pt / 2012 / 09 / 25 / culturaipsilon / noticia / whit-stillman-um-realizador-fora-deepoca--310582 O universo de Whit Stillman( n. 1952) sempre foi visto como um " objecto estranho "- a nível nacional, basta observar que nenhuma das suas quatro longas-metragens se estreou nas nossas salas. Mas os últimos anos reanimaram o culto à volta da sua obra: a Criterion Collection editou em DVD Metropolitan( 1990), a sua primeira longa, e Last Days of Disco( 1998), o seu projecto pessoal mais ambicioso. Este último filme, um fracasso financeiro à escala " indie ", terá sido responsável pelo afastamento do realizador, que demorou mais de uma década a encontrar financiamento para um novo projecto. A espera terminou no ano passado, com Damsels in Distress, obra que encerrou o Festival de Veneza em 2011 e que foi agora editada em DVD.
A sigla“ HB – Urban Haute Bourgeoisie – é uma possível definição para o universo do cinema de Stillman: é um cinema que se ocupa de uma classe especial de jovens e adultos entre os 18 e 35 anos, os sobreviventes de uma aristocracia norte-americana. O termo surge logo no primeiro filme, Metropolitan, numa das muitas discussões das personagens sobre as categorias sociais em que os próprios, e outros, se encaixam. A etiqueta é rapidamente adoptada e difundida nas mais variadas conversas com estranhos, fora de casa dos pais, onde os jovens se reúnem todas as noites em encontros de debutantes: raparigas e rapazes ali se iniciam na vida social, como que reproduzindo um nostálgico fin-de-siècle.
Mas Metropolitan, tal como todos os filmes do realizador, retrata um período específico: deprimido com a sua severa vida universitária em Harvard( inspiração, mais tarde, para Damsels in Distress), Stillman introduziu-se num restrito círculo social em que a etiqueta, os vestidos de noite e a suprema eloquência de um discurso com aversão a modernismos e ao calão se impõem como princípios para uma socialização que prefere a elegância nas palavras, na pose e( pelo menos tenta-se) no trato. Mas como em todos os filmes de Stillman- retratos de uma outra época colada ao tempo em que são filmados-, Metropolitan é um objecto dos anos 90 sobre a passagem da década de 60 para a de 70, a idade da perda da inocência e da degradação da relação dos norte-americanos com o seu próprio país.
Autor dos guiões e dos diálogos de todos os seus filmes, Stillman viu o charme do seu humor( uma versão mais refinada da sofisticação popular de Woody Allen) ser reconhecido, em Metropolitan, com uma nomeação para o Óscar de melhor argumento original, e fez dessa marca o traço mais inimitável do seu trabalho. É ela, de resto, que transporta as suas obras para algo mais fundo do que a mera projecção de um meio social preppy( numa tradução imperfeita, " betinho ") que pouco vive, na realidade, dos interesses intelectuais e emocionalmente complexos das personagens. Como chegou a dizer, o verdadeiro programa de Metropolitanera mostrar, mais do que pessoas cuja única ambição é vestirem-se bem, que ainda havia pessoas a quererem vestir-se como Fred Astaire, na vida e nos filmes, e a viverem, em espírito, num tempo passado.