Texto : “ Claude Chabrol e as Memórias do Zoo ”, por Ruy Gardnier . Em : http :// www . contracampo . com . br / 16 / chabrol . htm
O Rigor de Lang com a leveza de Renoir — Claude Chabrol sempre deixou claro seu ideal estético . É possível vê-lo em todos os seus filmes , mesmo nos mais fracos . Trata-se de conjugar toda a filosofia de mise-en-scène de Fritz Lang , o jogo do plano-seqüência para enquadrar e reenquadrar ao infinito os personagens à medida em que as situações vão mudando , com o desprendimento da atuação dos atores de Jean Renoir , um tipo de interpretação que privilegia a análise do comportamento social e fundamental para um cineasta que busca a crônica de costumes . De Lang Chabrol herda a força formal rigorosa de seus filmes . De Renoir ele recebe o poder artístico de figurar em Isabelle Huppert , Stéphane Audran , Jean Poiret , Jean-Claude Brialy , Bernadette Lafont ícones da alta roda da sociedade burguesa , personagens em descaminho , etc ., mas sempre segundo os moldes de um maquinário psicopatológico que já o fez ser comparado diversas vezes a Honoré de Balzac .
E não é sem razão . Em La Cérémonie / Mulheres Diabólicas ou Betty , seus dois melhores filmes na década de 90 , Claude Chabrol é capaz de captar dois tipos de imaginários e observá-los em plena latência até que eles explodam e nada mais seja possível fazer . O mesmo se vê em uma de suas crônicas mais pungentes sobre a patologia do homem comum , Os Fantasmas do
Chapeleiro . O filme conta a história de um senhor que não agüenta mais a sua mulher e resolve matá-la . Ninguém dá por falta da megera , uma vez que ela não saía de casa e só recebia visitas na data de seu aniversário . É quando o ex-esposo resolve matar uma por uma as amigas da ex-mulher . Findo o trabalho , ele torna-se viciado em matar e não consegue parar ... Talvez só de contar um por um as histórias de seus filmes já deixa clara a proposta de Chabrol ...
Ode / Ódio ao Burguês — Chabrol tem sempre uma predileção : é por fazer da classe burguesa seu item de laboratório , mostrar como os ratinhos burgueses ficam em labirintos procurando por pedacinhos de queijo , casa e roupa lavada . Mostra tudo isso com um misto de amor e muito sarcasmo . Uma certa lógica de cientista social dos mitos da sociedade de consumo : uma lógica do zoológico . A metáfora não é à toa : trata-se do argumento de Les Bonnes Femmes / As
Simplórias : quatro mulheres vão ao zôo e elas é que se vêem em suas próprias jaulas . Há uma espécie de identificação de Chabrol com o titeriteiro , a profissão do sujeitinho que John Cusack interpreta no filme Being John Malkovich . Ele faz os personagens como se faz uma marionete , presa não dos fios que a prendem ao seu dono , mas aos códigos sociais vigentes que a sociedade respeita e glorifica .
Para voltar aos modelos de Balzac : O Açougueiro talvez seja um dos filmes que mais claramente mostram esse aspecto . Privilegiando um registro cotidiano dos fatos , Chabrol vai aos poucos fazendo interagir uma professora de colégio e um açougueiro . Ele a quer ; ela não . Com fina psicologia e graça surpreendente , o espectador persegue a tela à procura do resultado final que ele já sabe mas deseja ardorosamente dizer que não .