Catálogo Cine FAP Segundo Semestre de 2015 | Page 9
Trechos de: “O Cinema, A Vida: Em Memória de Chantal Akerman”, por Carla Maia.
Íntegra: http://festivaldecurtasbh.com.br/18/retrospectiva-chantal-akerman/
Chantal Akerman nasceu em Bruxelas, em 1950, e morreu em Paris, em 2015.
Ela tinha apenas dezoito anos quando realizou Saute ma ville (1968), seu primeiro curta-
metragem. O filme tem início com o plano de um edifício em contra-plongé. Vemos uma
menina – a jovem Chantal – chegar em casa, checar o correio e, impaciente com a demora
do elevador, subir pelas escadas. Enquanto ela sobe, vemos linhas verticais em movimento,
no plano detalhe da porta do elevador, prenúncio do meticuloso trabalho com a geometria
do quadro que é característico de toda sua obra. Ouvimos a sua voz, ela cantarola, há certa
tensão na forma com que sobe o tom e acelera o ritmo. Em seguida, antes que Chantal
adentre o pequeno apartamento, nos é revelado um segredo atrás da porta: fixada abaixo
de uma foto, uma folha de papel traz, escrita à mão, a expressão “C’est moi!”
“Sou eu”, lemos. Filme a filme, Akerman parece reafirmar essa declaração
primeva como numa carta de intenções: seu cinema é movido pela consciência de que fazer
um filme é, entre outras coisas, haver-se com si mesmo, investir na obra uma dimensão
reflexiva, estabelecer com as imagens e sons alguma relação de desejo. A sofisticação do
cinema de Akerman está na maneira como ela escapa do egocentrismo em favor de uma
relação com o exterior, com o que ultrapassa e atravessa o sujeito – o fluxo do tempo, a
vastidão do espaço. Seu desejo de filme não é movido por um simples impulso
autobiográfico ou confessional, mas pela necessidade de estabelecer conexões entre a
primeira e a terce ira pessoa, o íntimo e o estranho, o pessoal e o político, o interior e o
exterior.