Catálogo Cine FAP Segundo Semestre de 2015 | Page 12
Trechos de: “O Gosto da Cerveja”, por Tatiana Monassa
Íntegra: http://www.contracampo.com.br/71/rotinatemseuencanto.htm
Um pouco como Manoel de Oliveira, Ozu tenta captar um tempo com ares de
eternidade. No entanto, enquanto o português busca um tempo eterno que guardariam as
coisas físicas, Ozu busca o tempo fugidio que marca os acontecimentos de um mundo de
compasso cotidiano. Para ele, o tempo de um quadro vazio é o tempo do ar que circula, ou
dos objetos que envelhecem um pouco mais. É a duração de algo que se dá nos
personagens e que não podemos ver (porque nem eles mesmos podem ver). Já para
Oliveira, este tempo é o tempo imemorial do que se deu naquele espaço e que está ali,
embora não possamos ver. Sua câmera detém-se então na tentativa de captar esse invisível,
enquanto Ozu tenta captar o presente que se dá, o tempo que corre junto com o rolo de
filme na câmera. O tempo da decisão de Michiko pelo casamento e o da solidão que vem
chegando ao pai. Do gosto e do efeito da cerveja que embala o medo do inevitável: a
separação dos entes queridos pelo progredir da vida. Das pequenas coisas que passam, dos
momentos que vêm e vão.
A narrativa, disposta em acontecimentos razoavelmente desconectados -
estruturados em planos que constróem um espaço-tempo fragmentado, não permitindo
nossa perfeita orientação em sua justaposição, embora compartilhem de uma continuidade
espaço-temporal -, é extremamente frágil e existe apenas como esqueleto para o desfile de
uma série de micro-narrativas, que se revelam o coração do filme. A busca de Hirayama por
um marido para a filha Michiko, a princípio impulsionada pelas pessoas à sua volta e não por
sua própria determinação, vai desvelando um mosaico de relações, envolvidas por
expectativas, frustrações, tristezas, alegrias... Através de observações que partem de seus
diversos encontros em bares - especialmente a partir de uma reunião que promove o
reencontro com seu antigo professor de colegial 40 anos depois, no qual acaba enxergando
um possível futuro para si mesmo -, ele parece despertar aos poucos, como se, subitamente,
quem sabe ajudado pelo efeito do álcool sorvido em companhia dos amigos, começasse a
enxergar todo o mundo que sempre esteve ali. O estranho clima da casa de K