Catálogo Cine FAP Primeiro Semestre de 2018 | Page 8
Texto: “Hedonismo sobre “tela””, de Rodrigo Hammer.
Em: http://fatorh.blogspot.com/2006/02/contos-imorais-1974.html?q=contos
Erotismo “state of the art” de Walerian Borowczyk chega ao extremo junto a
citações hereges, na sua obra mais transgressora
Se comparado a dedicados seguidores como seus quase contemporâneos Tinto
Brass e Peter Greenway, o mestre polonês Walerian Borowczyk diferencia-se pelo hedonismo
exacerbado de obras da estatura do magnífico As Heroínas do Mal, este também com roteiro de
André Pieyre de Mandiargues.
Contos Imorais é dividido em quatro episódios, mostrados em ordem
cronológica decrescente: dos tempos atuais, Borowczyk escolheu para a abertura o metafórico
The Tide, descrevendo um inusitado passeio pela cinzenta costa francesa onde um mancebo de
22 anos inicia sexualmente a prima de 16, “convencendo-a” através de providencial analogia
com a preamar. Adepto de supercloses generosos sobre púbis e mamilos mostrados
estrategicamente para valorizar o clima erótico, o realizador faz do segmento uma espécie de
manifesto à supremacia do macho que exerce poder inclemente sobre a virgem. O texto
recitado pelo homem é de lógica obtusa, extremamente ingênuo, embora colabore para a sua
finalidade.
Menos feliz Borowczyck se mostra no entrecho de Thérese Philosophe; a
mocinha encarcerada pela megera num tipo de sótão repleto de artefatos esquecidos, exercita
uma longa seqüência de masturbação colhida com habilidade pela câmera. Digressões ligadas
à religiosidade da garota, impressionada por instruções ouvidas em “off” na abertura da parte
enquanto passeia por uma igreja, resulta na sublimação menos pragmática do fetichismo
compensada pela habilidade do artesão em retirar o máximo do corpo da atriz: uma ruiva
tentadora, que transpira erotismo por todos os poros.
Na segunda metade, Contos Imorais cresce significamente em conteúdo; o
terceiro episódio aborda o mito da Condessa Erzèbet Bathory, de juventude atribuída a banhos
com o sangue de inocentes pupilas arrebanhadas pelos vilarejos da Hungria. Interpretada por
Paloma Picasso –filha do pintor e musa entre os artistas de vanguarda dos anos 1970- a
personagem conduz as vítimas ao palácio usado como luxuoso patíbulo para extravagâncias
lúbricas que culminam com sanguinolentas execuções em grupo. É onde Borowczyk abusa da
nudez de um grupo de belíssimas figurantes, compondo quadros eróticos de exuberante
fotografia.
A fita é fechada pelo episódio que descreve a ousadíssima orgia entre Lucrezia
Borgia, o Papa Alexandre VI –seu pai- e o irmão Cesare Borgia, envolvidos num rito herege
onde a presença radiante da atriz Florence Bellamy justifica o interesse do diretor em mostrá-
la majestosamente nua, tripudiando sobre símbolos sacrados à Igreja Católica e à própria
crucificação. Por sua vez, o batismo que arremata a seqüência como inteligente anti-clímax,
providencia o tipo de solução narrativa bem própria de Borowczyk. Mais uma citação ao
aspecto do incesto praticado pelo trio de devassos com rotineira naturalidade. Um desfecho
mais que satisfatório para Contos Imorais.