Trechos de:“ La Femme de L’ aviateur( Eric Rohmer, 1981), de Eugénio Vital. Íntegra: http:// olugardosangue. blogspot. com / 2011 / 02 / la-femme-de-laviateur-eric-rohmer- 1981. html [...] Após duas produções de elevado orçamento( La Marquise d ' O, realizado em 1976, e Perceval le Gallois, de 1978), Eric Rohmer pareceu sentir a necessidade de regressar a um território mais familiar e mais fácil de controlar e, assim, recuperar uma certa liberdade de acção. La Femme de L ' Aviateur( A Mulher do Aviador, na versão portuguesa), que marca o início de um novo ciclo de filmes, desta vez subordinados ao tema“ Comédias e Provérbios”( de que fazem parte ainda Le Beau Mariage, 1982, Pauline à la Plage, 1983, Les Nuits de la Pleine Lune, 1984, Le Rayon Vert, 1986, e L’ Ami de ma Amie, 1987), é, neste contexto, um passo em frente no caminho da simplificação, que recupera com um vigor inesperado o espírito da Nouvelle Vague, à data quase esquecido no panorama do cinema francês.
Esta mudança radical no campo da produção não resultou de um simples capricho do realizador nem de constrangimentos orçamentais. O que Rohmer procurava era, por um lado, aproximar-se o mais possível da textura visual do ambiente urbano e, por outro, a máxima liberdade para filmar na cidade quase incógnito. Tal opção respondeu também a critérios de ordem estética: « A originalidade de La Femme de L ' Aviateur, se é que existe », dirá Rohmer, « não está na maneira sub-reptícia de captar as imagens, mas em fazer das ruas, com todos os seus imprevistos, o cenário de uma comédia, e em avançar tão livremente como se trabalhasse num estúdio.» Com uma espantosa economia de meios, Rohmer sai para a rua para se deleitar com a geografia parisiense, servindo-se das paisagens urbanas como um elemento fundamental da narrativa.
La Femme de L ' Aviateur é, desde logo, um filme sobre a falsidade das aparências, um filme povoado por personagens que não só cometem o erro de confiar nas aparências mas também constroem mundos ficcionais a partir das situações reais experimentadas. Cada personagem constrói, à sua maneira, um mundo submetido às narrações que tem nas suas cabeças. Se François peca por ser demasiado ingénuo, o erro da inquieta Lucie consiste em reconstruir os dados da realidade à sua maneira e, na tentativa de interpretar aquilo que vê, não faz mais do que inventar uma realidade distinta. Trata-se da típica teia de auto-enganos em que vivem muitos dos personagens de Rohmer, mas, neste caso, vistos a partir de uma nova perspectiva: já não é o narrador que conta a sua história à sua maneira e se auto-justifica, como nos“ Contos Morais”, agora são os personagens que pretendem inventar uma história, encenando-a a seu modo. As preocupações morais dão lugar a preocupações materiais. Nas“ Comédias e Provérbios” os diálogos em torno da moral e da filosofia são mais comedidos; as especulações verbais passam a centrar-se, sobretudo, nas acções. Os personagens envolvem-se em situações de carácter prático e é a partir delas que, em última instância, se revelará uma moral. Como refere Rodrigues da Silva, « o tema predominante em quase toda a obra do cineasta francês é a moral. Não no sentido moralista, porque para Rohmer um conto moral não significa um conto com uma moral, mas uma história que descreve menos o que fazem as pessoas do que aquilo que se passa no seu espírito. Assim sendo, o que sobretudo lhe interessa, aquilo que sobremaneira o seu cinema mostra não são as acções, mas os estados de alma, como pensam e como sentem as personagens face a uma situação concreta.»