Catálogo Cine FAP Primeiro Semestre de 2018 | Page 23
Trechos de: “Filme comprova que Chabrol era um mestre na mesma altura de Hitchcock”, por
Demetrius Caesar.
Íntegra: http://www.cineplayers.com/critica/o-acougueiro/1265
Muitos são os superlativos relacionados a O Açougueiro, de Claude Chabrol ( Le
Boucher , 1970). Há quem o considere o melhor filme do diretor francês (Pauline Kael
preferia A Mulher Infiel), ou um dos melhores suspenses já realizados, até mesmo um dos
melhores filmes franceses de todos os tempos. Como bem posicionar essa obra de Claude
Chabrol 40 anos depois de seu lançamento?
Quando, em 1957, Claude Chabrol, ainda crítico Cahiers du Cinéma , publicou sua
tese de doutorado sobre Alfred Hitchcock – o texto é considerado o primeiro estudo sobre um
cineasta então feito e publicado, tanto no âmbito editorial quanto acadêmico –, Hitch ainda era
considerado apenas um diretor comercial nos EUA. Foram os “jovens turcos” franceses
(porque não gostavam de nada) que viram no mestre um mestre.
Dentre os críticos da revista que viraram cineastas, Chabrol, mais que Eric
Rohmer e François Truffaut, os outros dois fãs incondicionais, é o mais influenciado por
Hitchcock, mas, curiosamente, jamais o imitou. Enquanto as louras geladas do inglês
desfilavam uma sexualidade inibida e puritana, Chabrol era pura sensualidade e exuberância.
Mais do que fazer filmes de suspenses, Chabrol queria mesmo era fazer seus impiedosos
retratos da classe média – os crimes e assassinatos aparecem, em seus filmes, geralmente de
surpresa. E, como em Hitchcock, descobrir quem é o criminoso não é o motor do filme.
Há em O Açougueiro todos as qualidades do cinema de Chabrol em alto grau:
ótimas atuações, enquadramentos fenomenais, esplêndida fotografia (de Jean Rabier),
limpidez narrativa, música minimalista e sinistra usada com comedimento (de Pierre Jansen),
arguta observação da sociedade da época, no caso os anos 70. Mulher e musa do diretor,
Stéphane Audran faz uma diretora de escola de postura feminista, muito avançada para a
época, que é cortejada pelo açougueiro da pequena cidade onde moram. Ela aceita sua
amizade, mas não seu amor, por conta de uma desilusão amorosa recente.
Uma mulher que não está sempre atrás de casamento é, mesmo hoje, algo
diferente e provocativo. Chabrol leva esse pressuposto ao extremo do delírio. Enquanto
acompanha o dia a dia da diretora, usando todas as cores locais, esbanja sensualidade,
explorando ao máximo a persona da francesa chique e sedutora que ele ajudou a esposa a
construir nos vários filmes que fizeram juntos nos 16 anos que foram casados.
[...]Poéticas são as declarações de amor do assassino a sua amada a caminho do
hospital, dizendo que matou todas aquelas mulheres porque estava apaixonado pela diretora.
Enlouquecido de tesão de vê-la caminhando pelas ruas tão bela e desejável, o criminoso se
aliviava trucidando as outras, sem no entanto estuprá-las, preservando-se para sua amada.
Bizarro? Nem um pouco. Chabrol é um autor. O mesmo material nas mãos de outro diretor não
funcionaria, nem mesmo se fosse Alfred Hitchcock. O universo de Chabrol é tão exclusivo dele
que só tem razão de existir em suas mãos.