Catálogo Cine FAP Primeiro Semestre de 2016 | Page 21

Trecho de: “Crítica de A Árvore dos Tamancos”, por Eduardo Savella. Um jovem camponês volta para casa à noite e canta para espantar o medo e o frio até distinguir no silêncio a música que vem da casa do patrão. O camponês se aproxima da popriedade acolhido pela escuridão, mas alguém lhe ouve e pergunta, quem está ai? É o patrão que passeava no sereno durante uma soiree. A peça tocada no piano é a única coisa que não quebra o silêncio: o camponês foge e ficamos com o patrão, que sozinho novamente se põe a observar a própria família de fora. Percebe-se na construção da cena uma etapa anterior e hipotética da concepção: o camponês viria a observar de fora um pedaço da vida burguesa. O contraste assim talvez fosse fácil ou abstrato demais. Olmi portanto espanta seu caro personagem para colocar em cena outro, o próprio Patrão de bigode que, como o resto de sua família, tanto parece se assemelhar à família de Batisti, seu empregado que tolhe uma árvore pequena da propriedade para fazer um tamanco para o filho. Sob a cromática fantástica música do piano começa a nevar, e é como se o frio se embrenhasse por toda a criação: sobre o cão, o coelho, o jumento, a vaca, a casa, os tomates, sobre o patrão e os camponeses. Dentro da casa de Batisti vemos uma meia que se recolhe pra debaixo do cobertor. É noite e o avô madruga para plantar seus tomates debaixo da neve, provando mais uma vez seu método especial de ser o primeiro no ano a vender tomates na feira. No filme inteiro estabelece-se assim uma força quente que vem da terra, do convívio, do amor e que é o mais eficaz contraargumento à injustiça de seu desfecho. Trecho de: “A Árvore dos Tamancos, uma ode aos camponeses”, por Orlando L. Fassoni Íntegra: https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=7130&keyword=%C3%81rvore%2CTa mancos&anchor=4272089&origem=busca&pd=5873fb6d3cbcb5d561fd663901c5ee03 Temos aí, portanto, um painel construído à margem de discursos e à base dos acontecimentos rotineiros dessas pessoas ingênuas que não experimentaram os odores de uma civilização já poluída na passagem de sociedade rural para a industrial. Um afastamento que faz, por exemplo, com que todos parem o trabalho por um momento ao ouvirem o fonógrafo do patrão tocando uma ópera, ou a se excitarem com as cores do parque de diversões instalado no povoado. Olmi, ao extrair desses seus personagens o que eles têm de mais puro, nos presenteia com um cortejo de situações e de diálogos (o dialeto bergamasco) traduzido por uma narrativa montada segundo a própria sequência dos acontecimentos. Desta forma, podemos acompanhar ora o velho Anselmo, cultivando a terra, para depois, no final, vê-lo emocionado vendendo seus tomates no povoado; o início da corte do jovem da aldeia à moça da colônia, até o ritual do casamento de ambos e a lua-de-mel no convento onde a tia da garota é superiora; a falna diária da viúva Runk, que lava roupas para ganhar as migalhas e ter a polenta na mesa, e toda a sua resignação ante a adversidade; e o processo a que Battisti se submete, ao romper as ordens, pagando caro o preço de seu amor ao filho que colocara na escola para que não fosse outro como ele, marginalizado por um sistema social em que as vontades do patrão superavam todas as possíveis condições de resistência coletiva.