Catálogo Cine FAP Primeiro Semestre de 2016 | Page 11

Trechos de: “Edward Yang, artista do reflexo”, por Ruy Gardnier. Íntegra: http://www.contracampo.com.br/89/artyangruy.htm [...] Esse poder reflexivo – considerar “reflexivo” não apenas como a devolução da imagem, mas também como ação sobre si mesmo, à maneira do tempo verbal que tem esse nome – só ganha em densidade à medida que Yang filma seus personagens sempre enredados em tramas sociais que demandam sempre que se decida entre ética familiar e o comportamento de grupo, sempre visto como destruidor de caráter e corrompido pelo convívio com a avidez: Xiao Sir, protagonista de A Bright Summer Day, precisa agir como membro de gangue para manter sua honra no ambiente do colégio, mesmo que para isso ele passe por cima de tudo que aprendeu em casa. Em That Day, on The Beach, o marido De-wei fica progressivamente mais longe de casa, envergonhando por prestar tantas contas a sua esposa Jia-li e contaminado pelo modo de ser fanfarrão de seus colegas de trabalho. Em Yi Yi (As Coisas Simples da Vida), NJ percebe que seus colegas de trabalho já não têm mais os mesmos ideais de antes, e ao invés do trabalho duro preferem negociar com um plagiador que oferece produtos de má qualidade a custo mais baixo. De certa forma, o que sempre está em jogo no cinema de Edward Yang é a que ponto é possível deixar- se vender, comprometer-se, entregar-se a um cotidiano que arrisca acabar com o vigor, o caráter e, mais importante de tudo, a vontade de viver. [...] Em seus oito filmes, Yang consegue a proeza de criar uma comédia humana, ou ao menos um inventário ficcional sobre a classe média de Taiwan na segunda metade do século XX. Porque, apesar do relativamente pequeno número de obras, cada filme constitui por si só um painel de personalidades, valores, escolhas e comportamentos que desenham um retrato multifacetado e brilhantemente matizado de uma sociedade, ainda que designem um aspecto geral preciso que incide sobre o todo da vida do país: a padronização, o consumismo, a entrega dos ideais de trabalho, a impessoalidade (tudo isso talvez expresso na simples fala de um personagem secundário, um engenheiro que não mais reconhece os prédios que levantou em meio à selva de pedra de edifícios, todos iguais, construídos um atrás do outro). Indiferença (todos os filmes), estado de choque (Terrorizer), coma ou depressão (Yi Yi), acting outs violentos (Taipei Story), delinquência juvenil gratuita (A Bright Summer Day), a moléstia moral de Taiwan se revela de muitas formas diferentes, e Yang faz com que ela apareça de forma tão insidiosa e difusa, que, vendo os filmes, mal temos a clareza dessa percepção.