Catálogo Cine FAP Cinema Francês Moderno | Page 10
Trechos de: “Alain Resnais e a Memória do Mundo, por Luiz Carlos
Oliveira Jr.
Íntegra: http://www.contracampo.com.br/88/artresnaisjr.htm
Como nota Jean-Sébastien Chauvin no texto publicado em nossa presente
edição, há nos filmes atuais de Alain Resnais a insistência de uma antiga e
“profunda inquietude sobre a desaparição do sentido dos signos”. Amores
Parisienses e as roupas empilhadas que remetem a Noite e Neblina. Medos
Privados em Lugares Públicos e a neve incessante que remete às cinzas
caindo sobre os corpos no início de Hiroshima Meu Amor. Mas o que fazem
as cinzas da tragédia nuclear no último filme de Resnais? É como se elas
preservassem, no fundo do plano, o fantasma do século XX. O diretor filma o
mundo dos mortos – ou faz os mortos retornarem ao mundo dos vivos –,
portanto é “normal” que haja flocos do passado caindo constantemente sobre
o filme. Assombrando-o.
[...] Há em Resnais um forte desejo de cosmologia, de fazer uma ciência da
natureza que seja também a história do universo contada do ponto de vista
do homem nele inserido – e que enxerga, assim sendo, apenas uma parte,
um fragmento, e por isso não pode totalizar ou concluir absolutamente nada.
É uma dupla manifestação: de compreender a existência em termos de
desejo, sensação, imprecisão e abertura e de, ao mesmo tempo, definir o
campo problemático no interior do qual a experiência humana poderia ser
observada sistematicamente, abstraída do fluxo da vida material para ser
entregue a uma hipótese científica (lembrar de Meu Tio da América). Nos
filmes de Resnais do período moderno, vemos um mundo que se forma por
acúmulo de contradições, por explosões (as cenas de horror em Noite e
Neblina e Hiroshima, a montagem cubista na primeira seqüência de Muriel),
por movimentos bruscos da História. As abstrações se somam a fim de
atingir uma realidade concreta. Surge uma diegesemarcada pela dialética
entre o passado e o presente, o concreto e o abstrato, o casal e a sociedade
(Muriel, Hiroshima e também Marienbad). Para não deixar que o passado se
esvaia do presente, o impulso fundamental de Resnais está expresso no
título de um de seus curtas-metragens de início de carreira: Toda a memória
do mundo. O tempo da memória é o tempo menos da fixação do que da
circulação. No que depender de Resnais, as cinzas de Hiroshima vão
sempre circular entre nós.