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Carta do povo São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2018
.Crônicas Confira as histórias do poeta e jornalista Yuri Dinalli
NO DOS
OUTROS É
REFRESCO
OU
MEMÓRIA
SELETIVA
Dois amigos caminham na orla da
praia de Ipanema, Zona Sul do Rio de
Janeiro, quando encontram uma
garrafa quebrando na areia fofa e
clara, trazida pelo mar. Dentro dela,
uma carta:
Socorro! Estamos no ano de 1009.
Ainda que em face dos avanços e
progressos que se deram ao longo da
última década, conquistados pela luta
popular em diversos aspectos que se
referem ao bem-estar social das
massas e a busca por uma sociedade
mais justa e igualitária, tem crescido
uma onda conservadora que brada por
um comandante de pulso mais firme,
justo e ilibado. Em virtude disso tudo
que tá aí, dois candidatos se
digladiaram
numa
corrida
presidencial marcada pela polarização
e temperada de forma amarga com
golpes de frases prontas, desrespeito e
baixeza. Um dos candidatos, inclusive,
levou uma facada num comício e, diz
ele, por conta disso não compareceu a
nenhum dos debates.
Socorro! Este da facada defende o
ensino à distância, faz apologia
irrestrita ao uso das armas e fala com
muito carinho a respeito da figura de
um torturador. Um torturador! Ele
também é contra todas as minorias e
diz, abertamente, que as mulheres têm
que ganhar menos do que os homens e
que diversos direitos, como a licença
maternidade, têm que acabar. Ele
quer exterminar a população LGBTQ!
Socorro! Este mesmo candidato foi
eleito e, em seu discurso, orou em rede
nacional, ladeado por um dos políticos
mais corruptos e oportunistas da
história e um ex ator pornô cogitado
para o Ministério da Cultura. Socorro!
Em 5 dias como presidente, sem nem
mesmo assumir a posse, ele já
confirmou a fusão dos Ministérios da
Agricultura e Meio Ambiente.
Entende isso? É como se ele
entregasse às raposas o galinheiro.
Socorro! Tem até um Juiz, uma figura
que não deveria ser política, mas sim,
completamente imparcial, aceitando
cargo para ser seu Ministro. Socorro!
Se você nos lê, nós precisamos da sua
ajuda! Socorro!
Boquiabertos,
os
amigos
se
entreolham, abismados com aquele
pedido desesperado de alguém vindo
de outros tempos. Rompendo a pausa
dramática que não durou muito além
do que 17 segundos, um deles exclama
ao outro:
— Rapaz! Cê vê que loucura? Eu tenho
a impressão que já ouvi isso em algum
lugar…
Sete de
novembro de
dois mil e
dezoito.
Tá ok?
Faz, hoje, dez dias da eleição de Jair
[Messias?] Bolsonaro. Ao longo destes
— e há 55 dias de sua posse — torna-se
razoavelmente complexo elencar
todos os acontecidos, dadas as
circunstâncias
em
que
essa
candidatura, digamos, conturbada,
têm se encontrado. Fato é que,
salvaguardadas medidas e proporções
dum momento que cheira, lembra e se
parece com um estado de exceção, mas
que é, sempre que possível, divulgado
a caráter de normalidade, o dia 06 de
novembro de 2018 carrega, dentro
desta
pequena
e
turbulenta
retrospectiva,
um
simbolismo
inesquecível. A caráter documental:
No Rio de Janeiro, às 5 horas da
manhã, a própria Trechtown de
Paralamas deu-se na Maré, aquela
mesma de Marielle, assassinada há 9
meses. Pelas mãos daquela mesma
Tropa de Elite do Padilha, o
famigerado Bope. Foram três mortos;
dentre eles, Wiliam, um professor.
Simbólico, não? Guarde o fato. Noutra
grande capital, às 15h50 deste mesmo
dia, o Sistema Brasileiro de Televisão,
SBT, a pedidos de Silvio Santos,
ressuscitava o “Brasil: ame-o ou deixe-
o” como botasse um cadáver do
período ditatorial de Médici na janela
da família brasileira. Guarde o fato.
E, pra fechar com chave de ouro em
tranca de castelo, o excelentíssimo
Juiz Sérgio Moro, herói maior desta
mesma apática — ou seria apátrida? —
família brasileira, o algoz de Lula, o
amigo de Aécio Neves e cia, declara, a
respeito de Onyx Lorenzoni, réu
confesso em esquema de Caixa 2 e
nome indicado para o primeiro
escalão do governo de Bolsonaro —
não necessariamente nessa ordem — a
seguinte colocação: “[...]Ele já admitiu
e pediu desculpas”. No final, pra eles,
é tudo questão de pedir desculpas.
Igual Eduardo Bolsonaro sobre fechar
o STF.
Ao ex-presidente Lula, fica a dica:
Liga pro Moro, bobo. Diz que te
arrependeu e tá pedindo desculpas.
Eles têm o coração mole. Vão aceitar.
Tá ok?