Carta do Povo | Page 13

1 3 Carta do povo São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2018 .Crônicas Confira as histórias do poeta e jornalista Yuri Dinalli NO DOS OUTROS É REFRESCO OU MEMÓRIA SELETIVA Dois amigos caminham na orla da praia de Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro, quando encontram uma garrafa quebrando na areia fofa e clara, trazida pelo mar. Dentro dela, uma carta: Socorro! Estamos no ano de 1009. Ainda que em face dos avanços e progressos que se deram ao longo da última década, conquistados pela luta popular em diversos aspectos que se referem ao bem-estar social das massas e a busca por uma sociedade mais justa e igualitária, tem crescido uma onda conservadora que brada por um comandante de pulso mais firme, justo e ilibado. Em virtude disso tudo que tá aí, dois candidatos se digladiaram numa corrida presidencial marcada pela polarização e temperada de forma amarga com golpes de frases prontas, desrespeito e baixeza. Um dos candidatos, inclusive, levou uma facada num comício e, diz ele, por conta disso não compareceu a nenhum dos debates. Socorro! Este da facada defende o ensino à distância, faz apologia irrestrita ao uso das armas e fala com muito carinho a respeito da figura de um torturador. Um torturador! Ele também é contra todas as minorias e diz, abertamente, que as mulheres têm que ganhar menos do que os homens e que diversos direitos, como a licença maternidade, têm que acabar. Ele quer exterminar a população LGBTQ! Socorro! Este mesmo candidato foi eleito e, em seu discurso, orou em rede nacional, ladeado por um dos políticos mais corruptos e oportunistas da história e um ex ator pornô cogitado para o Ministério da Cultura. Socorro! Em 5 dias como presidente, sem nem mesmo assumir a posse, ele já confirmou a fusão dos Ministérios da Agricultura e Meio Ambiente. Entende isso? É como se ele entregasse às raposas o galinheiro. Socorro! Tem até um Juiz, uma figura que não deveria ser política, mas sim, completamente imparcial, aceitando cargo para ser seu Ministro. Socorro! Se você nos lê, nós precisamos da sua ajuda! Socorro! Boquiabertos, os amigos se entreolham, abismados com aquele pedido desesperado de alguém vindo de outros tempos. Rompendo a pausa dramática que não durou muito além do que 17 segundos, um deles exclama ao outro: — Rapaz! Cê vê que loucura? Eu tenho a impressão que já ouvi isso em algum lugar… Sete de novembro de dois mil e dezoito. Tá ok? Faz, hoje, dez dias da eleição de Jair [Messias?] Bolsonaro. Ao longo destes — e há 55 dias de sua posse — torna-se razoavelmente complexo elencar todos os acontecidos, dadas as circunstâncias em que essa candidatura, digamos, conturbada, têm se encontrado. Fato é que, salvaguardadas medidas e proporções dum momento que cheira, lembra e se parece com um estado de exceção, mas que é, sempre que possível, divulgado a caráter de normalidade, o dia 06 de novembro de 2018 carrega, dentro desta pequena e turbulenta retrospectiva, um simbolismo inesquecível. A caráter documental: No Rio de Janeiro, às 5 horas da manhã, a própria Trechtown de Paralamas deu-se na Maré, aquela mesma de Marielle, assassinada há 9 meses. Pelas mãos daquela mesma Tropa de Elite do Padilha, o famigerado Bope. Foram três mortos; dentre eles, Wiliam, um professor. Simbólico, não? Guarde o fato. Noutra grande capital, às 15h50 deste mesmo dia, o Sistema Brasileiro de Televisão, SBT, a pedidos de Silvio Santos, ressuscitava o “Brasil: ame-o ou deixe- o” como botasse um cadáver do período ditatorial de Médici na janela da família brasileira. Guarde o fato. E, pra fechar com chave de ouro em tranca de castelo, o excelentíssimo Juiz Sérgio Moro, herói maior desta mesma apática — ou seria apátrida? — família brasileira, o algoz de Lula, o amigo de Aécio Neves e cia, declara, a respeito de Onyx Lorenzoni, réu confesso em esquema de Caixa 2 e nome indicado para o primeiro escalão do governo de Bolsonaro — não necessariamente nessa ordem — a seguinte colocação: “[...]Ele já admitiu e pediu desculpas”. No final, pra eles, é tudo questão de pedir desculpas. Igual Eduardo Bolsonaro sobre fechar o STF. Ao ex-presidente Lula, fica a dica: Liga pro Moro, bobo. Diz que te arrependeu e tá pedindo desculpas. Eles têm o coração mole. Vão aceitar. Tá ok?