Carolina Maria - Ano 1 - 1ª Edição - Maio/2019 Carolina Maria | Page 8

O rap é compromisso, não é viagem Batalhas de rima agitam as noites de terça-feira na Zona Leste da capital paulista Pedro Ribeiro Terça-feira, 26 de março, por volta das 10:30 chego à estação da Luz: “Fecho, mano. Será bem recebido. Aí cê me procura”. Era a resposta que eu precisava. Chego no serviço e acelero meu trabalho para não ficar nenhum segundo a mais. Meu expediente se encerra e saio o mais rápido possível, são duas horas até minha casa, não posso perder nenhum minuto. São exatamente 18:08 quando eu entro em casa. “Nossa, chegou cedo!”. Sim, vou fazer uma matéria ali. “Onde é ali?”. Na praça perto da avenida Nor- destina. “Ah, tá. Toma cuidado!”. Pego a primeira maçã da fruteira, meu caderninho e a caneta, troco apenas de camisa e saio. Mal sabia que me arrependeria por este último. organizadores. Formamos um círculo ao lado do campo e cada um se apresentou. O primeiro a falar foi Vinícius, um jovem alto de barba e uma persona- lidade mais reservada. Pedi a ele um ponto de vista sobre o Acerto e ele me disse que “o movimento [hip-hop] tá aí e a gente tá querendo trazer a po- sitividade para a quebrada através do RAP, por que o RAP pra gente tá sendo o que? A válvula de escape, né, mano? Nossa voz ativa na rua. O que a gente tem dentro do coração pra falar a gente trás pra cá. E cada um traz sua cultura, traz sua história e assim o mo- vimento vai girando”. São 19:34 quando eu chego no local da entrevis- ta, quatro minutos depois do combinado. A área é grande, não sei por qual lado seguir. No caminho, meio desorientado, sou acompanhado por olhares O segundo a falar desconfiados e, após alguns foi Danilo, um rapaz fran- metros, ouço um som de zino e alto que comandará a fundo que de longe parecia maior parte da batalha. Ele Artigo 157, uma música complementa a fala de Vi- dos Racionais MC’s, mas nícius: “e tipo assim, nossa ao me aproximar percebo comunidade, ela é muito... que sequer a conheço. Os como eu posso dizer? É olhares que me seguiam Logo oficial da Batalha do Acerto / Divulgação meio carente, sabe? [Caren- mudam de donos, porém permanecem com o mesmo tom de desconfiança. Olho te] de um carinho, de um espaço [de para todos os lados, meu corpo faz um giro panorâmico em lazer], de ter algum lugar pra ir. Mui- 360°, até que, debaixo de uma árvore eu o avisto. Ando até tas das pessoas que moram na nossa ele e faço um cumprimento típico da região: Salve, cachor- quebrada, mano, não saem de casa. É ro! “E aí, mano. Suave?”. O visitado era Weber Castro, ou da casa pro serviço, [ou] da escola pra Oliver, como é conhecido nas batalhas e será tratado neste casa. E a gente tá trazendo uma coisa que não está influenciando ninguém a texto. Papo em dia, vamos ao trabalho. usar droga, a gente tá querendo mos- trar pro pessoal a nossa cultura, que Os organizadores a comunidade é o verdadeiro hip-hop. E a gente faz esse evento por amor ao Oliver é um dos organizadores da Batalha do Acerto, hip-hop e querendo mostrar para nos- realizada todas as terças-feiras no campo de futebol do Jar- sa comunidade que a gente pode ser dim Celia, Zona Leste de São Paulo. Ele, Vinícius, Danilo, alguém um dia”. Marcelo (Sweet MC) e Gabriel (Tisi) fundaram a Batalha do Acerto no final de 2018 e o evento faz sucesso desde en- Ele também explica como as tão. Minha primeira missão no local foi conhecer os outros batalhas ajudam no aprendizado das 8 MAIO 2019 Carolina Maria crianças da comunidade. Segundo ele, “o cara não vem aqui só com a intenção de rimar, ele vem aqui querendo, ou não, mostrar a ideologia dele, como ele pensa, como a mente dele funciona, o que ele acha que é certo e que é errado”. Marcelo, estatura média e de cabelos cacheados, foi um dos que mais ajudou na organização do evento, res- pondeu em seguida. Para ele, “[a batalha] é um incentivo pro jovem estar estudando. Por que hoje em dia é foda, principalmente com essa Reforma do Ensino Médio que eles estavam tentando fazer e também essa Escola Sem Partido. E [a batalha] vai agregar muito à quebrada, que é uma quebrada muito carente. Acho que todas as quebradas deveriam ter isso [batalha]”. Vinícius continuou: “uma coisa que vai incentivando a gente é isso, a criançada chegando no nosso movimento. Que nem tem um molequinho que está ali no meio da roda. Ele vai pro meio dos moleques tudo grandão, dos caras já velhos e barbados e não gela, não”, este molequinho a quem ele se referia era o Matador, de quem vamos falar em breve. Sobre ao preconceito com as batalhas, Marcelo diz que existem pessoas que pensam que “MC’s das batalhas de rima são desocupados, que rola droga, bebida e os ca- ramba a quatro”. Oliver completa e diz que alguns pensam que “esse pessoal [das batalhas] não tem futuro”. Ele co- menta que não ganha dinheiro com o evento e explica que “ver esse pessoal vindo na batalha, com gosto de colocar o nome na folhinha [inscrição] e ter vontade de rimar e cons- Plateia cai no riso por conta de uma rima durante a batalha / Pedro Ribeiro Carolina Maria MAIO 2019 truir um sonho, vale ouro. Vale bem mais que se eu tivesse ganhando um salário”. Para concluir, Marcelo fala so- bre o sonho de todo rapper: “É um bagulho simples que a gente almeja para o futuro. É uma coisa bem sim- ples. Que as pessoas tentem entender a nossa cultura, tá ligado? Por que os demais que estão envolvidos na cul- tura escutam RAP tocando na casa do vizinho e escuta a parte que tá falando do crime, do sangue, do tiro, mas não escuta toda a história”. Segundo Mar- celo o RAP transmite uma ideia: “ele está falando que o crime tem aquele resultado: ele vai te dar o dinheiro, mas vai tirar a sua vida”. Chega de conversa, a batalha vai começar em poucos minutos. Regras É preciso me apressar para en- tender toda a dinâmica da batalha, porém não era nada de outro mundo. As inscrições têm início às 19:45. São permitidos 16 competidores por noite. Duas batalhas acontecem para definir quem avança e em caso de empate a plateia opta por um terceiro round. A decisão pode acontecer por gritos, ou pelas mãos levantadas. Nas batalhas gerais, cada competidor tem direito a 30 segundos para a primeira rima, réplica ou treplica, o que dá dois mi- nutos para cada round. Marcelo expli- ca que existe uma preocupação dos organizadores com MC’s que moram longe dali - estes têm certa tolerância para a inscrição. A cobrança é muito rígida, em certo momento, alguns or- ganizadores deixaram o local, o que fez a plateia e os juízes vaiá-los no momento em que voltaram ao ringue. No Acerto, a batalha é unissex. Perguntei se alguma menina já compe- tiu ali e me disseram que existia uma 9