Carolina Maria - Ano 1 - 1ª Edição - Maio/2019 Carolina Maria | Page 14
Com uma lata de spray, da favela pro mundo
Carolina Messias
Quem não conhece aquela velha história que sua vida pode mudar numa ida a padaria? Foi exatamente
isso que aconteceu com o artista Jerry Batista, morador do Grajaú, extremo sul da cidade de São Paulo.
Através do grafite, ele encontrou a melhor forma de expressar sua arte e melhor ainda: viver dela!
CM - Como você começou a se
identificar com a arte do grafite? CM - Qual dos seus desenhos
mais te marcou? Por quê?
JB - Bom, eu já desenhava em casa, meu JB -
irmão é desenhista profissional. Até que o
um dia eu vi um rapaz chamado Vladmir
que estava pintando, eu fui comprar pão
para meus pais e vi e
pensei “nossa que é
isso? ” e perguntei pra
ele que disse que aquilo
era grafite, isso aqui é
uma letra e tals e é uma
coisa nova que está
tendo aí e eu respondi
“nossa que legal”. Aí
eu vim aqui pra rua,
encontrei meus amigos,
contei essa história e a
gente resolveu montar
um grupo que na época
chamava “AFRO”, foi
até a primeira parede
que gente pintou. Isso foi, sei lá, no dia
1 de Dezembro de 1995, uma coisa assim
e foi a partir daí. Esse Vladimir não pinta
mais, mas foi ele que deu a direção.
CM - Você encontrou
alguma dificuldade?
JB -
Todas. Todas as dificuldades.
Primeiro que eu tinha um desenho que
bem brasileiro, então ele era uma coisa
meio feia, vamos dizer assim, perto dos
outros estilos europeus e estilo americano
né?! Então a primeira dificuldade foi
as pessoas conseguirem entender e a
segunda era dominar a lata de spray que
era muito difícil. Não foi nada fácil, não.
E fora que também tudo que é novo é
confundido com outras coisas, tem muita
confusão entre grafite e pichação. Os
10 primeiros anos foram complicados.
14
Fiz mais de cinco mil trabalhos, então para
escolher um ou outro né…. Mas tenho coisas que
são marcantes. Eu tenho um personagem que é o
“guardião” que é um oriental. Foi criado porque
morei numa rua
que se chama
Okinawa né, e
uma vez eu vi
uma mancha na
parede, era um
cara de costas
com
chapéu,
então eu peguei
esse
desenho
e chamei ele
de
guardião
e quis levar
mais para essa
Jerry Batista / Arquivo pessoal
coisa
oriental
que tem a ver
com a rua. Tem o portal, que está dentro disso.
Tenho o conceito de lembranças e memórias,
que eu trabalho com crianças, então eu essas
três características que mais gosto. Uma hora é o
guardião, outra hora é o portal e outra hora é esse
tema que eu trabalho com lembranças e memórias.
JB -
Então, boa pergunta. Assim, é que aqui
tudo é muito difícil, aqui você não tem garantia
de nada. Lá primeiramente você não se preocupa
em morrer, que alguém vai te assaltar, então você
consegue projetar sua vida. Aqui é igual você
acabou de falar, ir pra rua e você já corre riscos
né?! Eu fiquei na casa de uma mulher por uns
quatro dias e no último dia eu dei uma obra de arte
pra ela e assim a obra estava num catálogo, tinha
valor e tudo. Quando eu dei pra ela a primeira
coisa que ela fez foi pegar e
correr para ver o catálogo.
Custava uns mil euros e ela
disse que não tinha como
pagar e eu dizendo que era
presente. O interessante foi
o que ela me respondeu:
“não aqui a gente valoriza
muito a arte e você não
pode dar uma arte assim”.
Então as coisas eram bem
diferentes e eles gostam
muito de brasileiro. Se
Arquivo pessoal
você for artista ainda,
meu Deus do céu!
Eles amam muito e se for bem-educado
então, você entra e sai de qualquer lugar.
CM - Qual a sensação de deixar uma
ideia sua para outras pessoas?
JB - Bom, eu acho que essa é a melhor alegria
de alguma maneira. Como diz o provérbio “o
trabalhador ganha o dele em si não é o dinheiro
e sim o reconhecimento” então, essa parte que
fica o reconhecimento, eu sinto a devolutiva das
pessoas e do meu público. É o que eu mais gosto.
CM - Qual desses lugares foi
o que mais te impactou?
CM - Você vive com dinheiro
da sua arte? Se sim, esse feito
demorou para acontecer?
JB - Sim, hoje em dia, engraçado
que fui ganhar meu primeiro
dinheiro com o grafite depois de uns
11 anos de grafite. Quando comecei
a pintar não existia a possibilidade
de ganhar dinheiro com o grafite,
não existia; era uma coisa muito
undergroud ainda. Então, depois
que eu comecei a ganhar, abriu
um mercado para a arte. Isso já faz
uns 23 anos, mas acho a educação
financeira
bem
importante.
CM - O que a arte
significa para você?
JB - Gostei da pergunta. Pra mim
a arte primeiro começou como
arte terapia. Com 14 anos eu tive
depressão mas como eu já pintava
eu esquecia dos meus problemas.
Então antes de mais nada, a arte
funcionou na minha vida como
terapia e aí depois de muitos anos
eu fui entender que a arte no meu
caso ela me intensifica. Como
uma mulher falou “a arte é o
complemento da alma.” É aonde
eu pego uma parte do meu sentido
e aprofundo ele ao máximo. A
música é a mesma coisa. Eu não
sou músico mas acredito que para
os músicos é a mesma coisa. A arte
vai me curando, faz eu entender
profundamente meus sentidos.
Arquivo pessoal
JB - A Europa em si foi um choque muito
grande né? Agora um lugar que eu tenho muita
inspiração é Paris, acho Paris à noite muito
linda, acho que dá para entender um pouco
dos artistas antigos que pintavam. Londres é
muito bom para o grafite, de todos os lugares,
é o melhor para o grafite e para a arte urbana.
Arquivo pessoal
CM - Com base em sua experiência,
sentiu alguma diferença entre os outros
países e o Brasil em relação ao grafite?
MAIO 2019
Carolina Maria
Carolina Maria
MAIO 2019
15