Carolina Maria - Ano 1 - 1ª Edição - Maio/2019 Carolina Maria | Page 10

que frequentava a batalha com assiduidade e que sempre “destruía” os adversários, pratica- mente uma lenda. Infelizmente ela não está lá. Sangue A batalha começa, Oliver liga o micro- fone e a caixa de som e chama todos os compe- tidores para a roda – durante todo o evento, os apresentadores incentivam o público a ficar em círculo para que ninguém se disperse e tam- bém gerar um clima de pressão sobre os com- petidores. Me surpreendi com o coro da plateia antes da primeira batalha. No início cerca de 40 pessoas estavam no local e todas cantavam: “sangue, sangue”. Perguntei ao Marcelo qual era o significado da expressão. Ele me explica que o conceito da batalha de rima se assemelha ao de uma luta até a morte. Palavras como san- grar e matar são de uso corrente nesses even- tos, mas nem de longe influenciam a violência entre seus integrantes. Afinal, a arma do MC é o microfone, ou mic (lê-se maique), como eles se referem. O primeiro confronto termina, logo eu percebo que cada round é acompanhado de uma música diferente. Os jurados são rigoro- sos, os competidores que não se atentam as ou- tras apresentações têm seus nomes riscados da lista e são imediatamente substituídos. Passados 44 minutos, os mestres de ce- rimônia abrem mão do microfone e cantam a capela. O motivo? O áudio ficou péssimo devi- do a uma falha técnica na caixa de som. Quatro minutos depois, Danilo resolve fazer um be- Matador Durante as oito primeiras batalhas, um MC chama a atenção. Ele não aparenta ter mais de 11 anos, mas quando chega sua vez de rimar a plateia vai ao delírio, seu adversário é Marcelo. O vulgo da criança é Matador, nome que, segundo Oliver, ele mesmo escolheu. A batalha termina com a vi- tória do garoto. Seu adversário e organizador do evento acusa a plateia de “panela”. Ele explica que o termo é usado quando o público favorece um competidor mais famoso ou popular. Matador é eliminado nas quartas de final. Após a saída do menino MC, Oliver o con- vida para cantar uma música de sua autoria, en- tão é aberto o espaço para artistas da comunidade apresentarem seus trabalhos no ringue e as bata- lhas têm a primeira pausa da noite. Ele não! Após mais algumas batalhas acontece a única manifestação política da noite. Por incrível que pareça, em uma competição em que a grande maioria se espelha em artistas protestantes, as ri- mas utilizadas no Acerto fogem do estereótipo do rhyme and poetry – em inglês, rima e poesia. A sigla forma a palavra RAP. Um dos competi- dores da semifinal, Rajh, fez uma rima livre e terminou com “ele”, o público respondeu unís- sono: “Não!”. A manifestação fazia alusão às palavras de ordem utilizadas contra a candida- tura do atual presidente, Jair Bolsonaro (PSL). Os patrocinadores Organizadores tentam consetar a caixa de som / Pedro Ribeiro 10 Augusto Fumaça e o jovem empreendedor Lucas. atbox (refere-se à percussão vocal do hip-hop e consiste na arte de reproduzir sons de bateria com a voz, boca e/ou nariz) para acompanhar os ver- sos dos competidores. A essa altura eu já tinha me arrependido por ter trocado apenas de camiseta e não ter levado uma blusa de frio também. Como qualquer evento, a Batalha do Acerto exige recursos que, muitas vezes, vão além de talento vocal e boas rimas. Para com- pensar esses gastos, os organizadores contam com a ajuda de dois patrocinadores, o skatista MAIO 2019 Carolina Maria Fumaça é um membro importante na comunida- de onde acontece a batalha. Skatista profissional, ele possui mais de 26 mil seguidores nas redes sociais. Dono de uma loja que leva seu nome, ele comercializa tênis e roupas com um estilo específico, o preferido pelos fãs do skate. Lucas é dono de uma loja online e o grande res- ponsável pela premiação da noite: uma camisa oficial do Bayern de Munique, time da liga alemã de futebol. Participantes comemoram ao final da batalha / Foto divulgação Ele conta que a batalha não faz seu estilo, porém, a pedido de um grande amigo, resolveu apoiar o evento, “Não é minha praia esse esquema aqui, não, mas pela primeira vez [que venho] já estou gostando para caralho. Terça que vem, se tiver de novo, nós estamos aí.”. Eu falo sobre o grande prêmio oferecido já na primeira participação e ele então responde que “na próxima vez vamos trazer mais uma.”, e completa: “Vamos pegar algum dia para fazer um sorteio de alguma [camisa], para todo mundo participar, não só o pessoal que está rimando”. O vencedor O último embate foi entre RBT e Jamal. As regras funcionam de maneira diferente na batalha final. Os adversários fazem uma rima cada, com menor tempo, porém, em maior quantidade. Ao final, a plateia define o melhor mestre de cerimônia da noite. Naquela batalha, RBT terminaria como vencedor. Durante a conversa, notei uma súbita mudança de expressão em Robert, o premiado. Durante as batalhas, ele apresentava um ar intimidador, mal-encarado. Tive certo receio em falar com ele, por isso pedi a intervenção de Oliver, que me conseguiu um minuto. Quando o cumprimentei, sua expressão mudou instantaneamente, tomou um traço mais leve e gentil, com- pletamente diferente do adotado nas batalhas. Robert, ou RBT, tem 18 anos e ganhou, pela segunda vez, o prêmio de melhor mestre de cerimônia da noite na Batalha do Acerto. Ele garante estar muito satisfeito com a camisa do Bayern de Munique: “muito linda, velho!”. Per- gunto se ele torce para o time alemão e ele me responde: “Realmente, não. Eu torço para o São Paulo, né?”, e com- pleta: “mas eu acompanho muito o futebol de fora, então eu gosto bastante”. Após um ano e meio de experiência, ele encarou quatro adversários, incluindo a final, e obteve seu reconhecimento. Assim terminou a 19ª edição da Batalha do Acerto. Nessa noite fria do mês de março, às 22h08, na famigerada Praça do Beija, quinze competidores voltaram para suas casa de mãos vazias, entretanto, retornaram também com mais uma noite de novas experiência. Em contra partida, apenas um deles, saiu de lá com muitos motivos para sorrir e um novo “pano” para a coleção. Carolina Maria MAIO 2019 RBT com a folhinha de inscrição / Foto Divulgação 11