Carnavalhame Edição 4 - Homenagem a Marcelo Yuka Carnavalhame Edição 4 - Homenagem a Marcelo Yuka | Page 46
NOVE BALAS
HENRIQUE
PROVINZANO
Henrique Provinzano Amaral concluiu
recentemente um mestrado em
Letras Estrangeiras e Tradução,
tendo estudado a obra do pensador
martinicano Édouard Glissant.
Foi editor da Cisma – revista de
crítica literária e tradução; publicou
traduções do francês e do crioulo;
organizou e traduziu uma antologia
de poesia haitiana contemporânea
(no prelo). Atualmente, Henrique
prepara seu primeiro livro de poemas,
intitulado Quatro cantos.
Uma bala estilhaça o vidro do carro perfura o livro a capa as
outras páginas o rosto do rapaz que lia recostado no para-brisas;
Uma bala atravessa o aço da panela a goela do bicho a moela da
galinha cozinhando sem pressa a um canto da cozinha;
Uma bala se aloja na carne paralisa as asas de uma ave urbana –
rara mais rara que arara-vermelha em plantação de cana;
Uma bala invade a pele se instala no osso impossibilita o
movimento das pernas – uma ostra devorada pela pérola;
Uma bala comprada na loja de balas legalizada credenciada com
patente por pessoas sem alma – mas armadas até os dentes;
Uma bala perdida achada endereçada sem remetente nem
cobrança – mais fácil que tirar doce das mãos de uma criança;
Uma bala disparada do helicóptero dirigida ao morador do
morro – a sociedade suicida pensa: “se não mato eu morro”;
Uma bala apontada para a cara da cidade para uma mulher
assassinada para uma placa de rua violentamente rasgada;
Mas uma bala traduzida em vida em arte em poesia em passeata
– em canto que aviva e nos embala.