Carnavalhame Edição 4 - Homenagem a Marcelo Yuka Carnavalhame Edição 4 - Homenagem a Marcelo Yuka | Page 42

COMPLEXO DA MARÉ As balas caem do céu feito chuva de granizo, furando laje, teto de zinco, matando pobre, matando EMMANUEL SANTIAGO Poeta, crítico literário e tradutor, autor do livro de poesia Pavão bizarro (Patuá, 2014). preto, matando jovem, matando malandro, matando menino que vai pra escola, matando, matando, matando. O helicóptero — burocrática ave carniceira: abutre — paira no ar sobre cabeças despedaçadas, centenas delas. Na calçada, o sangue nunca seca, apenas coagula, como fungo que se alastra pela cidade ensandecida, pela paisagem incendiada, pelas palavras do noticiário; e transborda, maré sangrenta que ninguém estanca, submergindo a lagoa, a baía, o Cristo Redentor; dissolvendo a cidade sob a sede ácida da luz solar, até sobrarem só os abutres na maresia pútrida, planando famintos.